Os canais de Santos pedem socorro

 

Aspecto desolador do Canal 5, no trecho de praia (agosto de 2020).

O maior patrimônio histórico edificado de Santos, junto com o porto, é o sistema de saneamento, cuja parte mais visível e simbólica são os canais de drenagem. Inaugurados a partir de 1907, nossos canais são a “alma da cidade”, como certa vez escreveu o saudoso jornalista Mauri Alexandrino em uma crônica inesquecível.

O endereço dos santistas não é a rua, não é o bairro. O santista mora sempre em um canal. São eles, por excelência, o ponto de referência de todos nós. Na verdade, foram eles que viabilizaram a construção da Santos moderna (leia aqui e aqui), com o sistema de galerias de drenagem, as comportas, os pontilhões, a arborização e todos os demais componentes desse sistema fantástico, concebido pelo genial engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito.


Projeto original da rede de canais, pela Comissão de Saneamento do Estado de São Paulo, ainda sem a numeração definitiva. Fonte: Álbum Canais de Drenagem (Novo Milênio)

Após muita luta da sociedade santista, que em 2000 se manifestou contrária à cobertura de alguns de seus trechos, os canais foram reconhecidos como patrimônio histórico do estado de São Paulo, pela resolução de tombamento SC-23, de 16/06/2006, do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico CONDEPHAAT, e como patrimônio municipal, pela resolução SC 02/2007 de 12/11/2007 do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos - CONDEPASA. 

Nada mais justo. Não fossem eles a enxugar nossa planície marinha, nosso porto ainda continuaria a ser evitado pelas embarcações, prejudicando a economia paulista, em especial as exportações de café.

Em 2007, também foi criada uma Comissão Especial de Vereadores na Câmara Municipal, presidida pela então vereadora Cassandra Maroni Nunes (PT), que propôs ao então prefeito João Paulo Tavares Papa (PSDB), um calendário de comemorações do centenário da inauguração do primeiro trecho do sistema de canais, correspondente ao antigo Ribeirão dos Soldados, que descarregava as águas da grande bacia que se estendia desde o Jabaquara até a atual bacia do Mercado. Com apoio de universidades locais, o evento foi um sucesso e suscitou a construção de um hotsite (foto abaixo), apresentação de palestras e elaboração uma série de artigos que recuperaram boa parte da história da construção dos canais.


Hotsite do Centenário dos Canais de Santos (2007).

Lembrando daqueles tempos, fico me perguntando o que terá havido com nossa população, que transita diariamente pelas praias, sem se importar com o visível processo de degradação das amuradas dos canais, em face da força do mar (ver primeira foto acima e fotos seguintes). Em especial, os canais 4 e 5 parecem ser os mais atingidos, como se observa nas fotos abaixo. 


Lajes e material da amurada do Canal 5, no trecho de praia (setembro de 2017).


Lajes e material da amurada do Canal 5, no trecho de praia (setembro de 2017).


Material da amurada do Canal 5 junto aos vestígios da embarcação (setembro de 2017).


Lajes de cobertura das amuradas do Canal 5 afundando na areia (julho de 2020).


Lajes de cobertura das amuradas do Canal 4, no leito do cabal (julho de 2020).

Mas até mesmo os vestígios de uma antiga embarcação, encalhada ao lado do canal 5, parecem chamar mais atenção que a lenta destruição de nosso maior patrimônio. Centenas de pessoas param por ali para fotografar os restos do barco, sem se aperceber que nossos canais estão silenciosamente pedindo socorro.

Em tempos de aceleração da mudança do clima, além da força natural das marés (foto abaixo), ressacas cada vez mais frequentes estão destruindo as maravilhosas lajes de pedra que cobriam as amuradas e agora se espalham pelas laterais ou pelos próprios leitos dos canais, sem despertar o mínimo interesse dos que por ali caminham.


Canal 3 assoreado após ressaca (2015).

Mais que a notória incapacidade da Prefeitura em manter nosso patrimônio histórico (ver foto abaixo), mais que o alheamento dos órgãos de defesa desse patrimônio, o mais chocante é a indiferença da população cuja vida salubre nessa cidade só se tornou possível graças aos canais.


Intervenção de recuperação das amuradas do canal 5, realizada com material e técnica inadequados, agosto de 2017.

De imediato, o mínimo que se espera são providências para que as lajes e pedras soltas sejam adequadamente identificadas e guardadas, até que as estruturas sejam restauradas, baseadas em projeto técnico elaborado por profissional qualificado e implantado por mão de obra qualificada.

Todavia, é imperioso que o município contrate estudos para construção de proteção dessas estruturas históricas. Há milênios, em muitos pontos do litoral do planeta, cidades resilientes desenvolvem estratégias nesse sentido, como no caso desses enrocamentos na Baía de Nápoles (fotos abaixo), que além de proteger a costa, tornaram-se atrações turísticas.


Nápoles (julho de 2019).


Nápoles (julho de 2019).


Nápoles, com o Vesúvio ao fundo (julho de 2019).

É bem sabido que cada caso é um caso e que o que dá resultado em Nápoles, pode não dar por aqui. Mas já passou da hora de encontrar uma solução para esse problema, antes que partes importantes de nosso maior patrimônio edificado se percam de vez. Portanto, é preciso buscar uma solução imediatamente. Assim, à guisa de contribuição, Olhar Praiano apresenta abaixo uma possibilidade de implantação de estrutura de proteção aos canais afetados pela ação do mar. Mas reitera-se a necessidade de que qualquer solução seja baseada em estudos técnicos elaborados por profissionais habilitados.




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