Mitos Urbanos II: Quanto mais garagens, melhor

Este mito tem o dedo poderoso da indústria automobilística, que ao longo dos últimos 60 anos vem estimulando os municípios a inserirem, em seus aparatos legais, a exigência de reserva de vagas para automóveis, nos empreendimentos imobiliários.
Em Santos, a exigência começou na década de 1960, quando a legislação municipal estabeleceu a proporção de uma vaga por unidade, como requisito para construção de edifícios plurihabitacionais (condomínios residenciais verticais).
De lá para cá, sedimentou-se a crença de que para restringir o número de veículos nas ruas e, consequentemente, a fluidez do transito, seria necessário garantir que cada apartamento possuísse ao menos uma vaga de automóvel à disposição, no mesmo edifício.
Especialmente na última década, com a ampliação do crédito para o setor (também resultado das pressões exercidas pela indústria) e com o aumento da renda dos trabalhadores, o acesso aos automóveis particulares ganhou grande impulso. Hoje, é comum uma família de classe média ter mais de um automóvel.
O mercado imobiliário, atento à tendência, tratou de acompanhá-la, com grande esforço, produzindo unidades com duas ou mais vagas disponíveis. O resultado está na cara, ou melhor, nas ruas.
Um automóvel ocupa cerca de 15m² de estacionamento, mais outros 10m² de área de manobra, perfazendo um total de aproximadamente 25m². Por sua vez, um apartamento popular possui algo entre 50 e 80m². Portanto, para garantir o estacionamento do seu carrinho, é necessário um investimento em área construída, em torno de 30 a 50%, do valor do apartamento! É claro que a equação não fecha, para os mais pobres.
O subproduto deste zelo urbanístico é o expressivo encarecimento das habitações e a conseqüente clivagem residencial, afastando os mais pobres das áreas em que o mercado imobiliário é mais ativo. É tudo de bom, para quem não quer ver pobre por perto.
Mas a porca torce o rabo, quando o trabalhador ou trabalhadora tem que chegar no local de emprego, no bairro em que vivem os que tem seus dois carros na garagem. Horas e horas gastas no transporte coletivo, ou de bicicleta, a um custo cada vez mais proibitivo, encarecem a mão de obra doméstica e dos prestadores de serviços.
Por outro lado, já ficou claro que a garantia das “imprescindíveis” vagas de garagens, nos edifícios, não teve muito sucesso, pois as ruas estão apinhadas de carros e o tempo de viagem entre residência e trabalho, para aqueles que possuem seus automóveis bem guardados, só faz aumentar.
Aliás, esta questão de vaga de automóvel precisa ficar mais clara. Grande número de vagas no destino (hipermercados, hospitais, edifícios comerciais etc.) é encrenca na certa. Por isso, os grandes empreendimentos terciários costumam ser classificados como “pólos geradores de tráfego”, pois atraem um grande número de veículos o tempo todo. O resultado é o aumento dos congestionamentos nas áreas em que estes empreendimentos se encontram. O mínimo que o Município deve exigir, é que o empreendedor pague a conta das intervenções no sistema viário, necessárias para garantir a fluidez. Mas o ideal, é que o número de vagas seja restrito, de acordo com a capacidade de suporte do sistema viário, a menos que o empreendedor se disponha a bancar obras mais caras, como alargamento de vias, por exemplo.
No caso de grande número de vagas na origem (nas residências), o problema é mais pontual, porque as entradas e saídas de veículos costumam ocorrer em horários de pico. Porém, com a tendência da ampliação dos estabelecimentos terciários, em áreas residenciais, o transito de origem se mistura ao de destino, provocando um contínuo congestionamento, como já vivemos na Zona Leste de Santos.
A esta situação caótica se junta o transito regional, provocado pela necessidade dos trabalhadores, que moram cada vez mais longe, acessarem seus locais de trabalho.
Portanto, a exigência de reserva de espaço para automóveis tem um custo cada vez maior para a sociedade, pelo encarecimento das habitações, pelo aumento do tempo de deslocamento, pela maior emissão de gases estufa e por aí vai.
Está chegando a hora de dar uma basta nisso e olharmos com mais atenção a necessidade de investir pesado em transporte coletivo e de baratear o custo das residências, flexibilizando a exigência de vagas de automóveis.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Remoções na Entrada da Cidade: o que houve com o Conjunto Habitacional da Prainha do Ilhéu?

APA Santos Continente: reavivando a memória

Como as avenidas morrem