A criminalização do risco

A reação do Prefeito à matéria publicada no jornal A Tribuna de ontem, acerca do risco geológico (ver post de hoje sobre o mesmo assunto), recordou-me a intervenção da Comissão Sanitária do Estado, chefiada por Guilherme Álvaro, no final do século XIX, nos cortiços da atual área central da cidade. 
Era o ápice das epidemias que dizimavam milhares de moradores, que então residiam em péssimas condições sanitárias, em cocheiras ou barracos de aluguel, construídos nos quintais das casas do centro. A solução então encontrada pelo governo do estado, que criou e deu poder de polícia à Comissão, foi desalojar a população residente nesses cortiços, provocando uma onda de despejos sem precedentes na história santista.
Ao anunciar que "profissionais da Secretaria Municipal de Segurança passarão a coibir o avanço das residências irregulares nesses locais de risco", o Executivo revela sua visão distorcida do papel da Defesa Civil. Visão esta que, infelizmente, predomina nas prefeituras brasileiras, e que havia sido banida de Santos, na virada da década de 80 para a de 90, quando a então equipe do Grupo de Morros, começou a implantar uma política de prevenção de risco que se tornou referência nacional.
Como o próprio nome já diz, Defesa Civil não é tarefa militar ou policial, é tarefa de organização da sociedade civil, que vive em áreas suscetíveis a desastres, devidamente mapeadas. Esta tarefa deve ser coordenada pelo Poder Público, com recursos técnicos, pessoal capacitado e apoio logístico das várias esferas de governo e da iniciativa privada, quando necessário. Mas deve envolver a população destas áreas, capacitando-a a se auto-defender em situações de iminência de desastres.
Mas o buraco (ou o barranco?) é mais embaixo. A tarefa de controle da ocupação não deve estar nas mãos do aparato de segurança pública do estado, pois deve privilegiar a articulação entre os setores municipais de fiscalização, de habitação, assistência social, e outros, apoiados no saber técnico de profissionais de geociências.
Para controlar a ocupação de áreas de risco, é essencial oferecer às famílias de baixa renda assistência técnica em habitação de interesse social e projetos habitacionais adequados.
Mas parece que ao menos neste ponto a ficha do Prefeito caiu, pois este admitiu haver uma "lacuna" na oferta de moradia para a população dos morros, dentro dos programas habitacionais municipais.
Vamos torcer para que projetos que visem atender esta demanda saiam do papel o mais rápido possível e que a Prefeitura entenda que falta de moradia digna não é caso de polícia!

Comentários

  1. http://www.youtube.com/watch?v=bbMCtKbjbLQ

    Esse vídeo retrata o quanto a maioria das prefeituras se preocupa com a ausência de moradias dignas...

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