Santos: posa't guapa?

"Posa’t guapa", em catalão, significa "ponha-te bonita". Nos idos de 91, na segunda vez que estive em Barcelona, esta era a frase que dominava o marketing pré-Jogos Olímpicos de 92, espalhada em cartazes e outros meios de divulgação, por toda a capital catalã, uma das cidades mais belas que conheço.
Na verdade, até hoje este lema pode ser encontrado estampando em placas e cartazes, por toda Barcelona. Mas foi a partir de 1985, quando lá estive pela primeira vez, que o marketing se tornou uma estratégia central na transformação urbana desta cidade.
Coincidentemente, sem nada planejar, naquele ano longínquo, cheguei a Barcelona em meio a uma grande festa popular, no dia em que foi escolhida sede das Olimpíadas. A festa, como pude perceber anos depois, justificava-se, pois a década de 80 fora marcada pelo início da recuperação econômica espanhola, sendo a indicação de Barcelona um dos fatos mais marcantes deste processo.
No retorno, em 91, pude acompanhar as transformações pelas quais a cidade havia passado. Um grande esforço de mobilização de recursos estatais e privados, além da concentração de subvenções e renúncias fiscais, na área central, começavam a transformar áreas degradadas e recuperar o acesso ao mar, antes obstaculizado pelas instalações portuárias e industriais obsoletas.
Barcelona não é como Santos, uma cidade insular, com várias frentes para o mar. A capital catalã era uma cidade portuária, aprisionada, a leste e oeste, pelas fozes de dois rios, e ao norte, por uma serra, a montante da área urbana. Por isso, recuperar o contato com a água foi uma estratégia central no projeto de sua transformação. Poucos séculos antes, o povo havia derrubado furiosamente as muralhas medievais que cercavam a cidade, na luta contra o absolutismo. Por isso, desobstruir a vista para o mar, roubada pelo porto, significava uma segunda queda da muralha.
Lá estive, novamente, em 95, já passados os Jogos, em visita oficial, como arquiteto da Prefeitura. O objetivo da visita, realizada há mais de uma década e meia atrás, foi justamente o de observar o resultado das transformações urbanas e discutir a estratégia empregada pelos órgãos governamentais (regionais e municipais), visando estudar a viabilidade de adotar o modelo catalão, na transformação da área central de Santos, incluindo o cais do Valongo ao Paquetá.
Na época, a Prefeitura havia contratado um consultor catalão, o que se tornou um modismo, em termos de planejamento urbano, no Brasil, durante os anos 90. Com este consultor, nossa equipe técnica discutiu e elaborou o primeiro projeto de transformação da área portuária central de Santos, apresentado à comunidade portuária em 96, apesar dos sistemáticos obstáculos colocados pela administração da Codesp, daquela época.
De lá para cá, muita água passou pelo rio Llobregat e muita gente circulou pela Rambla. Ainda estive uma quarta vez em Barcelona, em 2006, quando pude finalmente compreender que a paixão à primeira vista, que me despertou a cidade, nada tinha a ver com a famigerada “revitalização” do centro.
O que me atrai em Barcelona é sua personalidade única e a beleza ímpar do modernismo catalão, que filtrou as tradições arquitetônicas e urbanísticas islâmicas e européias (sobretudo góticas e art-nouveau), para revelar ao mundo um dos mais admiráveis conjuntos urbanos que o gênio humano produziu.
Talvez esta personalidade forte, seja o único aspecto em comum, entre Barcelona e Santos, minha outra (e maior) paixão urbana.
Estou mais velho e talvez por isso, menos tolerante. Sinceramente não tenho mais paciência para esta história de empresários e gestores municipais visitando Barcelona, para “atestar a pertinência das propostas” lá implementadas, conforme matéria publicada na edição de sábado, do Diário Oficial (p. 24).
Nos próximos meses, pretendo explicar aos que me aturam neste blog, detalhadamente, porque minha paciência acabou. Mas por hora parafraseio Caymmi:
Santos, você faça tudo
Mas faça um favor,
Não pinte este porto que eu gosto
Que eu gosto e que é só meu
Santos, você já é bonita
com o que Deus lhe deu...   

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