A participação popular e os intere$$es

Leio sem surpresa o artigo do professor Alcindo Gonçalves, intitulado “Participação popular”, publicado na pág. A2, da edição de hoje de A Tribuna. Não me surpreendo, pois o autor, além de engenheiro, cientista político, professor da UniSantos e coordenador do IPAT, como é identificado no artigo, também é profissional do mercado imobiliário.
Após apresentar seu resumo da história recente do processo de “participação popular” na política brasileira, Alcindo, sem mencionar claramente, apresenta evidente questionamento ao processo de discussão do Plano Diretor, que está sendo estruturado por algumas comissões do Legislativo santista e do qual venho participando diretamente, como membro da equipe da vereadora Cassandra Maroni Nunes (PT), presidente da Comissão de Política Urbana da Câmara.
Como o processo ainda está em fase de estruturação, e na próxima semana deve ter sua agenda definida, trata-se, portanto, de uma posição açodada, do tipo de quem ouviu o galo cantar, sem saber ao certo em que poleiro. De qualquer forma, respeito sua posição, sobretudo por se tratar de um cientista político com relevantes serviços prestados à sociedade santista.
Como método de garantir o que considera efetiva participação popular, Alcindo defende a realização de reuniões setoriais, “preferencialmente de maneira individualizada, sem expor a um confronto de opiniões difícil e por vezes emocional”. O autor defende, também, a realização de pesquisas de opinião, “baseadas em critérios científicos”, de forma a conhecer rápida e economicamente as preferências críticas da população.
Também não me causa espanto esta segunda parte do método proposto, pois como mencionado acima, o autor do artigo é profissional da área de pesquisas de opinião e não poderia ser diferente sua posição acerca do mesmo.
Mas como sou marxista, e dou imenso valor ao contraditório e à exposição franca do conflito de ideias, como forma de buscar o equilíbrio dos interesses no âmbito da sociedade, abomino enfaticamente qualquer tentativa de pasteurização do debate, o que, aliás, vem prevalecendo na política santista, nos últimos anos, apesar dos esforços de um ou outro bastião verdadeiramente oposicionista.
No final do texto, Alcindo critica, também, as “reuniões abertas”, que segundo ele são muitas vezes vazias, palco para militantes aguerridos e podem “cansar as pessoas”. Por fim, o articulista critica a discussão do Plano Diretor de forma regionalizada, sem explicar claramente o porquê de sua posição.
Devo lamentar que o autor não tivesse participado das reuniões promovidas pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU), na verdade comandadas por funcionários da Prefeitura, durante o processo que se encerrou no final de 2010. Se tivesse acompanhado de perto o processo, talvez tivesse se animado a escrever alguma coisa sobre ele.
Este processo, que durou dois anos, foi marcado por muitas reuniões enfadonhas, com horas e horas de discussões tecnocráticas, que pouco evidenciaram as questões de verdadeiro interesse da população e, por isso, resultaram numa participação qualitativamente muito fraca da sociedade santista, a despeito da grande quantidade de reuniões.
Além deste aspecto, ressalto o fato de que a regulação urbanística, na qual se insere o Plano Diretor e suas principais leis regulamentadoras, tem expressão territorial por excelência. Assim, torna-se óbvio que alguma forma de consulta popular regionalizada deve ocorrer, ainda que as discussões setoriais sejam importantes e igualmente necessárias.
Contudo, deve-se evitar, a qualquer custo, que as discussões regionalizadas estejam contaminadas por pretensos líderes comunitários, que vivem à custa de subvenções ou sinecuras públicas. E também, deve-se cuidar para que as discussões setoriais não descambem para o mero lobby de grupos econômicos.
Portanto, é justamente a partir destas críticas que o mandato da vereadora Cassandra vem se esforçando para sensibilizar seus pares, na construção de uma agenda de discussões dos projetos de revisão do Plano Diretor, com efetiva participação popular. Nossa maior luta é para que o método adotado pelo Legislativo santista, em atendimento ao princípio de participação popular disciplinado pelo Estatuto da Cidade, acabe por evidenciar os reais interesses da sociedade e não somente os intere$$es.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Remoções na Entrada da Cidade: o que houve com o Conjunto Habitacional da Prainha do Ilhéu?

APA Santos Continente: reavivando a memória

Como as avenidas morrem