Plano Diretor de Santos: João Meyer coloca o dedo na ferida

                                                                 Foto: Carriço (2011)

Em entrevista imperdível, concedida ao jornalista Bruno Guedes, publicada na página 4 da edição de hoje do jornal A Tribuna, o arquiteto e urbanista João Meyer mata a cobra e mostra o pau. 
Meyer, que estará presente no debate de terça-feira, 12/4, às 19 horas, no auditório da FAUS (evento promovido pela Câmara de Santos - ver posts dos últimos dias), coloca o dedo na ferida da proposta do governo municipal para a revisão do Plano Diretor de Santos. Veja abaixo.

A TRIBUNA, Domingo, 10 de abril de 2011, p. A-4.
Essa é a chance do santista intervir nos rumos da Cidade
Câmara promove debates sobre revisão do Plano Diretor; especialista critica proposta oficial
BRUNO GUEDES
DA REDAÇÃO
A valorização imobiliária em Santos e a tendência de expulsão da classe média podem, sim, ser freadas pelo Poder Público. É inclusive dever da Prefeitura estimular o adensamento com a construção de imóveis mais acessíveis por meio das leis. Mas não é o que acontece na Cidade, nem o que pode ocorrer nos próximos anos.
A opinião é do doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP) João Meyer, e toma como base o atual momento de discussão sobre a revisão do Plano Diretor e das Leis de Uso e Ocupação do Solo, que estabelecerá as regras urbanísticas para esta década. Para Meyer, a proposta do Executivo, com mudanças pontuais para amenizar a verticalização, não se propõe a alterar a realidade excludente na Cidade.
Por isso, os santistas terão a partir desta semana a última chance para intervir no processo de construção do futuro do Município, apresentar sugestões e "garantir que a legislação sirva às necessidades da cidade e das pessoas". A Câmara de Santos começa a promover na terça-feira uma série de audiências públicas para debater com a população o processo de revisão das leis de ordenamento do solo.
João Meyer e o arquiteto Kazuo Nakano, técnico do Instituto Pólis, darão o tom do primeiro encontro, marcado para 19 horas no auditório da Faus/UniSantos. Os debates serão semanais e ocorrem sempre às terças-feiras, no mesmo horário, em diferentes bairros da Cidade. A programação completa está no www.camarasantos.sp.gov.br.
O processo participativo é organizado pelas comissões permanentes de Política Urbana e Funções Sociais, Meio Ambiente e Justiça e Redação e pela Comissão Especial do Plano Diretor.
Os projetos de revisão do Plano Diretor e das Leis de Uso e Ocupação do Solo (áreas insular e continental) tramitam na Câmara desde o início do ano.
As propostas apresentadas pela Prefeitura não buscam interferir na oferta imobiliária e mantêm a tendência de verticalização. Preveem, entre outras coisas, a redução do potencial construtivo em ruas com menos de 14 metros de largura e do número de pavimentos de garagens, além da criação obrigatória de 15% de área permeável nas edificações.
A intenção dos vereadores é votar os projetos de lei até meados de junho, depois de colher todas as propostas da população nos debates públicos e apresentar as emendas necessárias.
"É a última chance de emendar esse projeto", afirma Meyer. Caso contrário, destaca, o processo de exclusão de classes menos favorecidas em Santos vai se tornar maior. Confira abaixo trechos da entrevista concedida pelo especialista a A Tribuna.

João Meyer. Arquiteto e urbanista formado pela UniSantos, mestre e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP
Entrevista
O que deve nortear a revisão das leis de ordenamento do solo, neste momento de valorização imobiliária e verticalização acentuada?
O Estatuto da Cidade, que tem um aspecto político muito importante: a participação da comunidade no processo de criação das leis do solo. Entre os aspectos técnicos, o mais importante é que o Estatuto da Cidade se baseia no conceito constitucional da função social da propriedade. Está no Artigo 182 da Constituição que o Plano Diretor deve delimitar locais na cidade e as funções sociais que esses territórios devem cumprir. Isso deve orientar o desenvolvimento. Tem que deixar claro quais são os objetivos territoriais dentro da diretriz da função social.
A Cidade está se verticalizando rapidamente. Isso é ruim?
A verticalização não tem efeito igual em toda a cidade. Santos não cresce em população mas está formando novos domicílios. As famílias estão diminuindo. Em uma conta rápida, uma redução de 0,1pessoa por domicílio significa uma diferença de 5 mil domicílios novos. Santos hoje tem índice abaixo de três pessoas por domicílio, caminhando para um padrão americano, que é 2,6. Então, ainda está gerando muito domicílio.
Apenas porque as famílias es tão ficando menores.
Sim, pois têm menos filhos e porque há mais idosos. Soma-se a isso o ressurgimento do crédito imobiliário a partir de 2006. A população ganhou poder de compra e os preços aumentaram. Aí surge o dilema: ou a cidade mantém as pessoas em Santos ou os moradores não têm onde morar aqui e vão obrigatoriamente embora. O que tem acontecido é que os jovens e as faixas da população de menor renda, inclusive a classe média, não conseguem ficar em Santos. Faz parte dessa discussão a forma como Santos pretende lidar com a expulsão de parte de seus moradores.
O Poder Público pode intervir?
As leis de ordenamento do solo podem e devem interferir no mercado. Existem formas previstas no Estatuto da Cidade. Vamos supor que um incorporador tenha um terreno de cinco mil metros quadrados. Ele vai construir até 25 mil metros quadrados, porque o coeficiente em quase toda a cidade é 5. Se ele fizer um prédio com apartamentos maiores, quatro dormitórios, consegue vender a R$ 4,5 mil ou R$ 5 mil o metro quadrado. Se fizer apartamentos de dois dormitórios, vai vender de R$ 3,8 mil a R$ 4 mil o metro quadrado. Fato é que se fizer unidades maiores, vai ganhar mais. Quanto vai construir já está definido: 5 vezes o tamanho do terreno. Então, a realidade do mercado obriga o incorporador a fazer o prédio no padrão mais alto que puder. É naturalmente elitizante. O Plano Diretor pode mudar isso. Pode, por exemplo, condicionar o coeficiente de aproveitamento ao tipo de empreendimento. Se o empreendedor fizer prédio com apartamento maior do que certo tamanho, acima de 150 metros quadrados, por exemplo, o coeficiente não poderá passar de 2. Mas se construir apartamentos de até 50 ou 70 metros quadrados, poderá ter coeficiente 6 e erguer um prédio maior. Ou seja: você dá instrumentos para que seja interessante ao empreendedor oferecer imóveis mais baratos. Isso garante a viabilidade econômica.
Ele terá, então, maior margem de lucro se construir a um preço mais acessível.
Sim. Equilibra-se o mercado de maneira social. Hoje, o coeficiente de aproveitamento é o mesmo até o centro da cidade. Varia de 5 a 6. Ou seja, não faz diferença. Então é melhor jogar o zoneamento no lixo. Santos não está tendo cuidados em escolher onde deve ser feito o adensamento. Assim, o processo de expulsão da classe média em Santos se torna cada vez pior. Não é só a classe popular que está sendo expulsa. A classe média, os jovens estão sendo expulsos. Estão indo pra São Vicente e Praia Grande.
A proposta apresentada pela Prefeitura não regula o solo. É tímida?
A Prefeitura não se propôs a fazer isso. Provavelmente porque não vislumbra isso, ou não tem preocupação em fazer essa regulação. Mas promover essa intervenção no preço da terra é algo absolutamente importante.
Então, com os debates da Câmara, esse é o momento da população participar da revisão das leis que podem promover essa regulação?
É a última chance que a comunidade tem de procurar intervir no processo e garantir que essa legislação sirva para as necessidades da cidade e das pessoas. É a última chance de emendar esse projeto.
Internet
Para ampliar o debate, a Câmara criou na internet três canais de comunicação com a sociedade. Um deles é o blog Santos sua cidade (www.santossuacidade.blogspot.com). No endereço, os internautas podem ver a íntegra dos três projetos do Executivo enviados à Câmara, conhecer as ideias-força destacadas pelos vereadores para as audiências públicas, e se informar sobre os debates. Uma compilação de reportagens publicadas na imprensa desde a década de 80, sobre temas como habitação, ocupação da ilha e verticalização, também integra o blog. Os outros dois canais são os perfis nas redes sociais Twitter e Facebook, com o mesmo nome do blog: Santos sua cidade. Sugestões da Prefeitura defendem mudanças pontuais na verticalização.

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