A questão do saldo migratório

Em post do dia 21/4, comentei a pesquisa da Fundação Seade, acerca da redução do saldo migratório no estado e regiões metropolitanas de São Paulo, na década passada. A pesquisa pode ser acessada em http://www.seade.gov.br/produtos/spdemog/index.php?tip=abr11.
Segundo o estudo, o saldo é uma estimativa, pois os dados definitivos serão conhecidos quando o Censo IBGE de 2010 estiver tabulado.
A Fundação Seade estimou o saldo, subtraindo o saldo do crescimento vegetativo (nascimentos menos óbitos), dos municípios, do aumento populacional divulgado nos primeiros resultados do Censo 2010.
Chama a atenção a estimativa para Santos, que permaneceria tendo saldo negativo, porém com queda acentuada deste.
Conforme esta metodologia, o saldo migratório santista, na década de 90, foi de -2.198 pessoas. Mas como na década passada teria sido de -1.310, teria havido uma queda superior a 40%.
Ressalto que a Fundação Seade merece crédito. Porém, este órgão já errou feio ao estimar que a população santista poderia chegar até 441.000 habitantes, em 2010, segundo o trabalho "Projeção de População e Domicílios até 2030", encomendado pela Sabesp e divulgado em 2007. Conforme os primeiros resultados do Censo IBGE 2010, tínhamos cerca de 419.000 habitantes, no ano passado (5% a menos).
De qualquer forma, o resultado desta nova pesquisa da Seade motivou algumas reações esperadas, por parte de pessoas que possuem uma perspectiva liberal, quanto ao papel da política urbana.
O secretário de planejamento de Santos, em declaração ao jornal A Tribuna, na página A3 da edição do dia 20/4, atribuiu a "redução" do saldo "às novas oportunidades de trabalho", no município.  Para o secretário, "Santos teria feito a "lição-de-casa", o que teria resultado na redução do saldo migratório.
Contudo, migração não tem necessariamente a ver com emprego, conforme se pode observar pelas conclusões apresentadas no trabalho "Análise sócio-demográfica da constituição do espaço urbano da Região Metropolitana da Baixada Santista - Período 1960-2000", do pesquisador Alberto Jakob, do Núcleo de Estudos da População (NEPO), da Unicamp, que pode ser acessado em http://www.nepo.unicamp.br/textos/publicacoes/textos_nepo/textos_nepo_45.pdf.
As causas da mudança de cidade, para as famílias, não se limitam somente a procura por trabalho, mas também podem ser atribuídas ao custo de vida. Por isso, milhares de famílias se mudaram de Santos para São Vicente e Praia Grande, nas décadas de 80 e 90, mas continuaram trabalhando em Santos, onde está a maior parte dos empregos.
Por outro lado, se o aumento da renda for igual ou superior ao custo de vida, aí sim tende a ser maior a permanência das famílias, na cidade. Mas este fenômeno é muito mais ligado à política econômica nacional, do que à local, como o próprio secretário admite, ao citar o porto e a Petrobrás, como origens da maior oferta de trabalho, em Santos, no decênio passado. Portanto, o secretário tenta capturar os créditos por um processo cujo mérito lhe é inteiramente alheio. Se tivesse rendido homenagens ao governo Lula, teria sido mais elegante.
Mas na edição de ontem, de A Tribuna, novamente o cientista político Alcindo Gonçalves, em artigo publicado à página A2, intitulado "A cidade para os mais pobres", vem criticar a posição daqueles, que como eu, acreditam na possibilidade de usar a política urbana como mecanismo para reverter este processo nefasto de expulsão ou não-fixação das famílias com menor renda, das áreas com mais infraestrutura.
Alcindo também não perdeu tempo, e também se baseia nos resultados da pesquisa da Seade, para atacar nossas convicções, utilizando até uma munição surrada: a chantagem, segundo a qual, se mexermos com as construtoras, reduzindo-lhes o potencial construtivo, elas "facilmente" se mudarão para cidades vizinhas e nos deixarão à míngua.
Ora, pelo padrão dos empreendimentos que vêm produzindo, e pelo local de moradia da maior parte dos empregados no setor, se mudarem de fato de cidade (o que duvido), não farão muita falta à sociedade santista.
Quanto à posição de Alcindo, acerca da utilização da política urbana como forma de fixar população, que já discuti suficientemente neste espaço, acrescento que considero de profundo mau gosto a comemoração alusiva à "queda" do saldo migratório. É como se festejássemos o fato de uma pessoa ter sido vítima de tiros de revólver, ao invés de rajada de metralhadora.
Além disso, o cientista ignora alguns aspectos centrais da discussão, que vem se travando no processo de revisão do Plano Diretor. Alcindo não menciona o enorme poder de encarecimento que as fundações e os automóveis produzem nas edificações, ao limitar as causas do alto preço dos imóveis, em Santos, apenas ao valor dos terrenos. 
Ora, em função da verticalização excessiva, os custos com fundações são cada vez maiores, muito próximos dos custos dos terrenos. Além disso, o impacto na execução dessas obras, volta e meia gera sérios transtornos para a população, como os que testemunhamos recentemente no Campo Grande.
Por outro lado, cada vaga de automóvel consome cerca de 25m² em uma edificação, incluindo-se a área de manobra respectiva. Portanto, numa unidade com duas ou mais vagas, consome-se o equivalente a um apartamento de padrão popular, para que os carros sejam abrigados. Com isso, os empreendimentos ficam muito mais caros e as pessoas mais pobres vão morar cada vez mais longe e acabam comprando seu carrinho popular, para chegar ao centro regional (Santos/São Vicente), contribuindo com o agravamento do trânsito. Por este motivo, urbanistas como João Meyer defendem a redução da produção de vagas, em oposição ao que o "livre" mercado vem oferecendo hoje.
A meu ver, estas são as questões centrais a serem discutidas, além, é claro, de mecanismos para redução do valor dos terrenos.
Por fim, se não acreditasse ser possível melhorar a vida das pessoas, por meio da política urbana, optaria por mudar de profissão. Mas prefiro discutir exaustivamente alternativas para fixar o maior número possível de pessoas na cidade, do que adotar uma postura liberal e deixar os mais pobres ao sabor de um mercado que não se interessa em satisfazer suas necessidades mais básicas. Este é o dever de todos que lutam por justiça social em Santos: colocar o dedo na ferida e fazer o mercado produzir para quem mais precisa.

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