Daniel Vazquez: Cidade de 'alto padrão' 

Em artigo para a Tribuna Livre, o economista Daniel Vazquez faz uma análise precisa do processo da política urbana segregacionista de Santos. Boa leitura!

A TRIBUNA Domingo 10 07 11 - A-2
DANIEL VAZQUEZ. 
Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e professor da Universidade Federal de São Paulo Unifesp

Enfim, o novo Plano Diretor de Santos e legislação complementar foram aprovados pela Câmara Muncipal. Embora tenha havido alguns avanços, não foram criados incentivos para reduzir a concentração de construções nas áreas mais adensadas (zona da orla) e estimular investimentos em áreas onde ainda há possibilidades de crescimento (zonas intermediária, central e noroeste). Além disso, as novas regras aprovadas são insuficientes para ampliar a oferta de imóveis voltados para as classes média e baixa da população. Entendo que o caminho seria estimular empreendimentos de padrão de construção mais simples, em locais menos valorizados e de tamanho mais adequado ao perfil da população santista, com média de 2,9 habitantes por domicílio (Censo 2010) e com nível salarial médio igual a R$ 1.715 (Rais 2010).Uma proposta concretanesta direção, apresentada pelo Fórum da Cidadania e rejeitada pela ampla maioria governista na Câmara,defendia estabelecer coeficientes de aproveitamento diferenciados por tipo de imóvel e região da cidade, a fim de estimular a oferta de imóveis mais acessíveis e em áreas menos adensadas. Questionado sobre o assunto em entrevista a A Tribuna (edição de 2/7/20011), o prefeito João Paulo Papa disse que esta medida não seria eficaz e que só "iria encarecer o imóvel para a maior renda". O prefeito afirmou que as pessoas de menor renda não precisam morar no Gonzaga, e questionou: "Morar naEncruzilhada,Marapé,Macuco é morar longe?". Certamente que não. Mas o mercado imobiliário nãoatendeestasregiões. Segundo dados da Prefeitura, dos 252 empreendimentos lançados na Cidade desde 1998, 78% foram na zona da orla, 11% na zona intermediária, 5% na zona central e 6% na zona noroeste e nos morros. Detalhe: o Gonzaga, bairro citado pelo prefeito, concentrou sozinho 20%dosnovosempreendimentos! Diante desse cenário, fica evidente o "processo de expulsão" de boa parte dos santistas, inclusive da classe média, promovido pela atual política urbana: 1)comaprodução voltada para as regiões mais valorizadas e de alto padrão, apenas as novas famílias (que se forma maquiou que vêm de fora) com maiorpoder aquisitivo conseguem adquiri-los; 2)aquelas que não possuem condições financeiras para tanto, procuram áreas menos valorizadas; 3) como a oferta de imóveis novos nessas regiões é muito pouca, estas famílias tentam adquirir imóveis usados, elevando o preço dos mesmos; 4) por sua vez, os antigosmoradoresdosimóveisusados buscarão outro imóvel ainda mais distante e, no limite, em outros municípios da região. Ao final deste processo, restaria uma cidadede"altopadrão". Mas, atenção: não se trata de alto padrão de educação,saúde pública ou de transporte coletivo eficiente. Afinal, se os ônibus demoram ou se há falta de professores e médicos na rede pública, por outro lado, boa parte da população tem plano de saúde, escola privada e três vagas na garagem. E quanto à classe média e à população menos favorecida? A resposta que nos é dada por meio do novo Plano Diretor de Santos parece ser a seguinte: se liga, esta cidade não é para qualquer um. 

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