Estamos fritos: vem aí mais automóveis

Foto: Caio Guatelli/Folhapress

A julgar pela notícia abaixo, publicada na edição de hoje do caderno Mercado, da Folha de São Paulo, as cidades brasileiras estão com o futuro seriamente comprometido. Mas é impressionante como a Anfavea, entidade ouvida na matéria e que representa o setor automobilístico, apresenta uma visão cínica acerca das consequências do aumento da produção de automóveis, para nossas cidades. Ao jogar a culpa na qualidade do transporte coletivo e na estrutura viária das cidades, a entidade demonstra ganância desmedida e despreso pelo nosso futuro.
Por outro lado, o governo federal não esboça uma alternativa de política industrial para tirar o país da dependência do crescimento do setor e não articula seus planos de mobilidade com os municípios e regiões metropolitanas, como deveria.
Mais carros nas ruas significa mais poluição e menos mobilidade urbana, num quadro em que o poder local, via de regra, não se esforça para enfrentar estes problemas.
Estamos fritos.

Veículo por habitante vai crescer 62% no Brasil, estima setor
VENCESLAU BORLINA FILHO
DE SÃO PAULO

A indústria automotiva brasileira pretende aumentar em 62,3% a taxa de motorização até 2020. A intenção é passar dos atuais 154 para 250 veículos por 1.000 habitantes, de acordo com estimativa da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).
Para isso, o setor planeja investimentos de US$ 21 bilhões até 2015 em ampliações e em novas fábricas. A produção anual, que neste ano foi projetada em 3,74 milhões de unidades, deve saltar para 6,3 milhões em dez anos.
Considerando o mesmo percentual e a renovação da frota, as montadoras poderão produzir ao menos 37 milhões de novos veículos no período. Ao final do período, o país poderá registrar uma frota de 69 milhões de veículos.
O aumento da produção considera o crescimento da economia previsto para 2011, estimado em 4% pelo setor, e outros fatores como a oferta de crédito e o aumento de renda da população.
Segundo a Anfavea, 60% das vendas de veículos são feitas por meio de operações de crédito.
Além disso, o crescimento está relacionado aos pacotes lançados pelo governo para incentivar a produção e evitar a demissão de trabalhadores. A última medida aumentou o IPI para carros importados a partir da segunda quinzena de dezembro.
De acordo com dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a taxa de motorização no Brasil cresceu 30% entre 1998 e 2008 baseada na popularização e no aumento do crédito.
No México, o crescimento verificado foi de 75% no mesmo período. Já a vizinha Argentina tem taxa de motorização maior que a do Brasil.
Para o presidente mundial da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, não há dúvidas de que o Brasil tem potencial para superar a taxa de motorização de países da Europa, como Portugal, atualmente com 495 veículos por 1.000 habitantes.
"O Brasil tem condições de atingir a relação de 500 veículos por 1.000 habitantes. O brasileiro gosta de carro, e o país ainda tem muito a crescer no setor", disse.
Para especialistas consultados pela Folha, a meta é ambiciosa.
"Parece mais um desejo do que algo que seja possível", diz Arthur Barrionuevo, professor e economista da FGV (Fundação Getulio Vargas).
"Não creio que, nem mesmo num prazo razoável de dois ou três anos, o nível de crédito possa se expandir a ponto de viabilizar um aumento substancial da demanda de veículos no Brasil", diz Júlio Manuel Pires, professor de economia da USP.
Com mais veículos nas ruas, a lógica é que o tráfego se torne cada vez mais complicado, principalmente nas grandes cidades. Porém, para a Anfavea, a culpa não pode ser atribuída somente à indústria automotiva.
Segundo a associação, a questão deve ser analisada e associada a outros fatores, como a qualidade do transporte coletivo, sua eficiência, o adensamento populacional e a condição da infraestrutura viária (ruas e avenidas).
CARGA PESADA
No começo do mês, Ghosn esteve no Brasil para anunciar R$ 3,1 bilhões na construção da primeira fábrica da Nissan no país e a ampliação da unidade da Renault em São José dos Pinhais (PR).
Em entrevista à Folha, o executivo criticou o preço do aço brasileiro, a falta de infraestrutura e a alta carga tributária. "A tributação é muito grande no Brasil. De 40% a 48% do que se paga num carro é tributo", disse.
"A gente compra aço coreano feito com minério brasileiro porque custa bem menos do que o aço brasileiro. Esse é um problema que temos de resolver porque nosso interesse é baixar o preço do carro no Brasil."

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