Trânsito: não faltou planejamento


O jornal A Tribuna publicou hoje mais um caderno especial temático, acerca de uma das mais importantes políticas urbanas: a mobilidade. Tenho fortes razões para crer que, assim como ocorreu com os demais temas desta série (trabalho, meio ambiente e habitação), trata-se de um esforço do jornal para orientar o debate eleitoral do ano que vem. Se estiver certo, desde já saúdo a iniciativa, pois nada melhor do que impregnar o debate eleitoral com discussões aprofundadas acerca das questões cruciais que nos afligem. É uma excelente forma de contribuir para a escolha consciente dos próximos governantes de nossos municípios.
Feito este preâmbulo, quero destacar que, apesar da relevante contribuição apresentada pelos pesquisadores e entrevistados, que problematizaram a questão da mobilidade de forma abrangente, o part pris do caderno é um grande equívoco. Ao contrário do que afirma a manchete de abertura do caderno, não faltou planejamento nos principais municípios da região, em especial quanto à questão do trânsito. Escrevo em maiúsculas para frisar bem esta questão, que para mim é central.
Defendo esta posição, pois trabalho com planejamento há 22 anos e conheço a história do planejamento da Baixada Santista. Santos, o município que possui a tradição mais antiga na área, possui zoneamento desde a década de 1920 e uma centena de leis urbanísticas, dentre as quais destaco o Plano Regulador de Prestes Maia, o Plano Viário de 1994 e a Lei Complementar n° 528 de 2005, marcadamente orientadas para o planejamento viário.
O próprio Prestes Maia elaborou o Plano Regional de Santos, anteriormente ao Plano Regulador, no final da década de 1940, com o intuito de apresentar respostas aos gargalos logísticos do porto (atual, não?). Este plano estabeleceu uma série de diretrizes viárias, que foram parcialmente implantadas.
E aí é que está o “X” da questão. O financiamento da infraestrutura urbana no modo de produção capitalista sempre foi como cachorro tentando morder a própria cauda. Em países em que a economia é entravada por uma sociedade de elite, como a nossa, a conta do crescimento econômico sempre sobrou para a sociedade bancar, inclusive a infraestrutura viária e o transporte público. Isto explica a imensa dificuldade em produzir um suporte urbano adequado para um processo de produção do espaço absolutamente planejado para beneficiar uns poucos.
A meu ver, esta é a principal fragilidade da abordagem do caderno de A Tribuna. Em todas as oito páginas não há uma única linha que aborde a questão da expansão horizontal da pobreza e vertical da riqueza, em nossa região. Este modo de apropriação do espaço, que concentra a elite nos espaços com melhor oferta de infraestrutura e de serviços, ao passo que repele a maior parte da sociedade para localizações distantes desta ilha da fantasia, é o principal responsável pelo gargalo no trânsito que hoje estamos vivendo, ao lado da ideologia do automóvel, responsável pela lenda urbana de que cada unidade habitacional deve ter no mínimo uma vaga para automóvel.
Enquanto perdurar este padrão, absoluta e meticulosamente planejado, estaremos condenados a mirar no ganso e acertar no pato. Mas para que este modelo de urbanização cruel e estúpido seja revertido é preciso que nossos governantes estejam convencidos de que é preciso colocar um basta na primazia da segregação socioespacial.
Mas a julgar pelas declarações dos atuais prefeitos, estampadas no referido caderno, não teremos um futuro muito auspicioso. Contudo, espero que esta pauta seja levantada em 2012 e possamos lutar por uma política de mobilidade que vá além dos semáforos inteligentes e das ciclovias (que aliás é transporte individual).
Para resolver a questão da mobilidade em nossa região, é preciso dar um cavalo de pau no planejamento urbano e regional, em busca de cidades mais fraternas, que acolham o maior número de famílias próximas aos locais de trabalho, estudo, serviços e lazer. É preciso planejar sim, mas planejar para todos!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Remoções na Entrada da Cidade: o que houve com o Conjunto Habitacional da Prainha do Ilhéu?

Como as avenidas morrem

APA Santos Continente: reavivando a memória