Santos 466 anos: comemorar e refletir

No momento em que Santos completa 466 anos, além de comemorar, também é bom refletir acerca dos rumos que a cidade vem tomando. E nada melhor do que ler o ótimo texto do jornalista Clóvis Galvão, publicado hoje, no caderno especial de A Tribuna, em comemoração ao aniversário de nossa cidade, cuja íntegra reproduzo abaixo.
E se o mote é refletir, Clóvis vai no centro da questão: com o desenvolvimento que se avizinha e com os já evidentes impactos da verticalização dos últimos anos, é imperioso que meditemos sobre os rumos da cidade, especialmente nós os  técnicos dos setores públicos e acadêmicos.
Aproveito, então, para comentar que é o que eu e vários colegas que militam na área de planejamento urbano vimos fazendo incessantemente, há décadas.
Mas foi o que faltou no processo de revisão do Plano Diretor, concluído no ano passado, pois o projeto careceu de reflexões aprofundadas, por parte da municipalidade, uma vez que não foi acompanhado de um diagnóstico adequado.
Aproveito ainda, para opinar acerca da questão do adensamento, a qual já discuti aqui muitas vezes. O impacto da verticalização em curso não se dará pelo adensamento, pois na maior parte da cidade a densidade demográfica está praticamente estagnada há décadas e não há perspectivas de que venha a crescer, salvo em casos isolados.
O impacto já está vindo pelo padrão de renda dos que ainda permanecem em Santos. São famílias cada vez mais velhas, com maior renda e nível de ensino. São também famílias com muitos automóveis e mais preocupadas em mobilizações em defesa da vida animal, que são importantes, mas não podem ser a pauta prioritária de ação social de uma cidade-região, que ainda tem tanta miséria a erradicar e não dá acesso adequado aos seus serviços essenciais, a todas as famílias.
Ou seja, na terra da caridade e da fraternidade, anda faltando altruísmo e sobrando congestionamento e cocô de cachorro.
Mesmo assim, Santos ainda resiste bela e acolhedora e tem muita gente boa, que faz a diferença. A esta Santos presto minha homenagem, no dia de hoje.

Os sinais das torres
A Tribuna, CADERNO SANTOS, p.2 - 26/01/2012
CLÓVIS GALVÃO,
EDITOR DE OPINIÃO
Que a cidade de Santos vem vivendo um período de transformações, é notório. Quem anda pelas ruas o constata com facilidade, através da construção de dezenas de grandes edifícios residenciais e comerciais em diversos bairros, e até no Centro Histórico. Trata-se de uma expansão imobiliária ­ e também uma renovação arquitetônica ­ como não se via há muitos anos, e que só encontra paralelo no boom das décadas de 50 e 60, que encheu a orla da praia de prédios de apartamentos, alterando intensa e definitivamente as feições daquele trecho urbano. Mas não é só isso. Quem for ao Porto observará igualmente um forte crescimento, com a obra da Avenida Perimetral e a presença dos megaterminais instalados nos últimos anos, num processo de expansão que ninguém sabe onde irá parar. Diante de tais mudanças, e para além de suas significativas vantagens do ponto de vista econômico, são inevitáveis as indagações sobre a influência que terão na qualidade de vida das pessoas. Ou seja: se tudo o que está acontecendo ­ e provavelmente ainda está por acontecer com o advento da era do pré-sal ­ será bom ou ruim, em termos coletivos. Em relação a isto, existem na verdade mais incógnitas do que certezas. De qualquer forma, um bom tema para reflexões, na data em que amada Cidade chega ao 466º aniversário de fundação. Progresso é ótimo, não há no mundo quem não queira. Abre espaços a novos negócios, produz riquezas, gera empregos e renda, mas tem seus custos. Se ele ocorrer com disciplina, sob planejamento e com a adoção de medidas que permitam atenuar seus impactos não raro predatórios, será benéfico. Do contrário, vindo desordenadamente, à moda dos fenômenos da natureza, seus efeitos poderão ser negativos. Em resumo, aumenta bastante a chance de a qualidade de vida do conjunto da população decair, livrando-se das perdas apenas aqueles que têm dinheiro para evitar o declínio ­ pessoal ou familiar, não porém no contexto de um amplo cenário geral. Então, a pergunta que cabe está ligada, fundamentalmente, às condições de Santos para receber os novos tempos. Se a Cidade está realmente preparada para enfrentá-los, nos campos, sobretudo, da infraestrutura física, dos equipamentos urbanos e dos serviços públicos essenciais. Nem se fala de outros setores, a cargo da iniciativa privada, que estes, ao menor sintoma de aquecimento da demanda, a natural dinâmica empresarial dá conta de atender. Há dúvidas, todavia, acerca desse ponto. As opiniões se dividem e os diagnósticos conflitam. Por exemplo: o enorme crescimento imobiliário faz supor um aumento demográfico na mesma proporção, pois empreendedor algum vai levantar tantos imóveis para ficarem vazios, mas ninguém consegue dizer se é isto mesmo que ocorrerá. Uns afirmam que sim, outros dizem que, com o pré-sal, Santos tende a ser a cidade menos afetada da Baixada Santista, ao contrário de Praia Grande e Guarujá. Faltam projeções e estudos técnicos mais detalhados a respeito. Sem dados consistentes, fica difícil programar ações para o futuro. Esta é uma lacuna que precisa ser corrigida, até para que a administração pública não seja colhida de surpresa. Neste caso, obviamente, as soluções corretivas se tornam mais complicadas e bem mais caras, se é que ainda serão possíveis. A evolução urbana de Santos, com base no Porto, foi alavancada pela época áurea das exportações de café. A Cidade cresceu de forma organizada, num quadro de equilíbrio social muito superior ao da maioria dos municípios do País. O turismo consolidou-se e isto só costuma acontecer em cidades onde as coisas funcionam. Foi uma conquista importantíssimaadministração pública, no empresariado, na universidade, nos sindicatos, em todos os locais, enfim, meditem mais detidamente sobre o tema, para definir melhor os caminhos a percorrer e as decisões a serem tomadas. Se tal já foi feito, ou está sendo, onde estão suas conclusões? E o que é feito, objetivamente, para implementá-las? Nessa circunstância, as inúmeras torres que estamos vendo se erguerem no nosso horizonte próximo não deixam de ter o seu lado preocupante. Vamos torcer, portanto, para que a expansão e o adensamento urbano que elas prenunciam não estejam a indicar o começo de um processo de perda da nossa qualidade de vida. Ainda há tempo de impedir esse desfecho. Temos meios para tanto. Mas, se houver demora, talvez já não dê mais.

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