O Sr. Manequinho e o gradil da Praça dos Andradas

Imagem: Projeto do gradil. Memória da Arquitetura de Santos no Papel I - 1888-1900 (Santos: FAMS, 2010).
Acerca da questão da remoção dos gradis da Praça dos Andradas (imagem acima), em Santos, assunto que abordei no último post, a professora e arquiteta Lenimar Rios, que foi secretária de Planejamento do município, relatou uma história muito interessante .
Segundo a professora, os gradis em praças públicas sempre tiveram objetivos seletivos. Seu avô, Sr. Manequinho, chegou da Espanha na véspera do Natal de 1902. Ele assistiu, portanto, a construção da Santos moderna.
Um de seus passeios prediletos, depois que se aposentou, era sair pela cidade e ver o que se fazia de novo. Em casa, sentava à mesa da cozinha e relatava o que via: o novo prédio em construção em tal lugar, a casa de tal esquina que estava sendo demolida, a praça tal. Enfim, ele não perdia nada do que acontecia.
Uma coisa que ele relatava frequentemente é que, quando jovem, a Praça dos Andradas tinha grades e para nela entrar os homens tinham que vestir gravata. Portanto, passeio na praça só para quem usava esta peça do vestuário.
A gravata devia ser um artigo caro para a renda do avô de Lenimar e de seus amigos, todos trabalhadores braçais e nenhum deles possuidor de tal paramento.
Portanto, esta restrição era, muito provavelmente, uma forma de selecionar os frequentadores do logradouro. Ou melhor, era uma forma de afastar escravos, seus descendentes e imigrantes recentes, então identificados como criadores de arenga e violentos.
Então, para entrar, o Sr. Manequinho improvisava um lenço,  para parecer uma gravata e com isso usufruir da praça.
Assim, para a professora, é perigoso "recuperar" certos aspectos "históricos" sem uma postura crítica. Antes, as exigências para acesso selecionavam a frequência, provavelmente considerada uma coisa muito normal à época. Mas do mesmo modo que outrora, na época em que o ex-prefeito colocou a nova grade, havia o objetivo subjacente de afastar os "indesejáveis".
Mas a grade só serviu para tapar o sol com a peneira, pois a marginalização de parte da população não é eliminada por uma simples gradil.
Se perigo há, ele continua rondando e espreitando em cada esquina. Portanto, para a arquiteta "a questão da marginalização exige ações muito ousadas e requer enfrentar a miséria e as iniquidades, algo que passa muito longe desses gradis, não é mesmo?".
Tiremos as gravatas, portanto!

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