"Revitalização" de Áreas Portuárias: ideias fora do lugar

Em certos aspectos, o atraso de Santos com relação a outras metrópoles brasileiras é benéfico. Um deles é a questão da "revitalização" de áreas portuárias degradadas, assunto que é discutido por aqui desde 1995 (embora oficialmente seja sonegada esta informação).
Enquanto cidades como Belém, Recife e Rio de Janeiro já implantaram alguns projetos de "revitalização", por aqui as propostas correlatas jamais saíram do papel.
De forma insuspeita, por ter sido coautor da primeira delas, para Santos, em 1995, afirmo que por sorte isto não ocorreu. Penso assim, porque estas propostas poderiam ser aperfeiçoadas, de forma a evitar erros cometidos em outras cidades que trilharam este caminho, incluindo o exterior.
Apesar disso, quem assistiu o Seminário Internacional de Revitalização de Áreas Portuárias, realizado pela Prefeitura de Santos e diversos parceiros, em 26/4 passado, saiu com sensação de déjà vu.
A sensação se deve ao fato de que os projetos apresentados, apesar de seus méritos, pouco têm em comum com o caso de Santos. Além disso, aqui ainda não se desenvolveu um senso crítico acerca dessas propostas, nem tampouco acerca da mais recente proposta para "revitalizar" a área portuária do Valongo, como defende a Municipalidade.
A maior parte das intervenções, feitas no referido seminário, se esforçaram muito para vender o peixe de que este tipo de intervenção urbana gera benefícios para todos, impulsionando a economia da cidade e criando muitos empregos.
Fazer com que a população acredite nisto é essencial para justificar investimentos pesadíssimos, como por exemplo o tal "mergulhão" que a Prefeitura propõe que seja construído na área do Valongo, ao módico custo de 400 milhões de reais (valor informado no evento), ou seja 1/3 do orçamento municipal.
É verdade que, em alguns casos, os investimentos não são única e exclusivamente públicos. Contudo, este tipo de projeto dificilmente deixa de contar com recursos das esferas de governo envolvidas.
No dia seguinte ao evento, a Prefeitura anunciou ter recebido de consultoria contratada, estudo de viabilidade do empreendimento. Segundo o Executivo, o projeto é plenamente viável. Será?
Tenho sérias dúvidas. Conforme divulgado na imprensa, o valor do projeto é R$ 554,133 milhões de reais, sendo R$ 177,954 milhões em infraestrutura e R$ 362,525 milhões em edificações. E observem que o custo do "mergulhão" não está incluído. Ou seja, este projeto promete sugar 3/4 do orçamento municipal anual!
Vivo em uma cidade onde crianças morrem, porque não há vagas suficientes em UTI pediátrica, onde 16 mil famílias lutam por moradia digna, onde não há saneamento adequado para todos e onde milhares de famílias vivem em cortiços e áreas de risco de deslizamento, incêndios ou de inundações.
Portanto, parece-me um absurdo gastar uma fortuna dessas em um projeto que valorizará apenas a sua limitada área de influência, sem garantia concreta de geração de emprego para os que mais necessitam, que geralmente são os menos capacitados.
Além do alto custo, há outras questões que precisam ser bem discutidas, com relação a proposta apresentada pela Prefeitura. Uma delas é a utilização de grande parte do empreendimento como o segundo terminal de passageiros do porto e outra é a implantação de uma marina.
Quanto ao primeiro caso, como já abordado aqui no blog, tenho sérias restrições, pois o turismo de cruzeiros não vem gerando dividendos ao município como deveria, pois a maior parte dos passageiros vindos de fora não gasta no comércio local e nem usa os táxis municipais, pois muitos vêm de veículos fretados na origem. Além disso, os salários pagos aos tripulantes são via de regra muito baixos.
Quanto à marina, apesar da presença do Capitão dos Portos no referido evento, em uma mesa na qual se discutiu o tema, não ouvi qualquer manifestação oficial da Marinha acerca da viabilidade do empreendimento naquele local, em que o tráfego de navios de grande porte é grande e tende a aumentar expressivamente após a inauguração dos terminais da Embraport e da BTP. Será o tráfego de embarcações de recreio compatível com o de carga, em pleno Valongo?
Assim, entendo que este projeto merece uma discussão mais aprofundada, que alcance outro setores da sociedade. Nesta discussão, as questões levantadas acima e outras mais que ainda não ficaram claras, precisam ser debatidas. Caso contrário, poderemos afundar recursos de vulto em um projeto que não cumprirá a promessa bastante duvidosa de colocar a Cidade na seleta lista daquelas que possuem projetos de "revitalização" portuária.
No mais, ter que ouvir lições de espanhóis de como gerar empregos (!!!!), parece-me intolerável. Aliás, esta é a maior prova de que a proposta é uma típica ideia fora de lugar, na acepção da expressão cunhada por Roberto Schwarz. Ou seja, mais parece uma proposta deslocada, acerca da qual não há qualquer comprovação concreta de seus benefícios para TODA a sociedade.
Espero que a Prefeitura divulgue o inteiro teor do estudo de viabilidade anunciado, pois a única esperança de estar enganado, é ser convencido do contrário pela leitura do documento.

Comentários

  1. Carriço, boa noite.

    Lendo seus últimos cinco posts sobre as ações da prefeitura no trato da coisa pública de nossa Santos confesso que me vi inclinado a rever alguns valores, sobretudo no que tange à política municipal. O jogo aqui é sempre de cartas marcadas e ao meu ver nunca percebi qualquer postura crítica em relação à cidade ou ao planejamento dela. Confesso também que me incomoda um pouco as suas motivações partidárias, mesmo concordando com boa parte do seu raciocínio. Claro que o período (eleitoral) fomenta e atiça essas pequenas provocações. Ótimo, pois não existem mais divergências nessa cidade! No entanto, você há de reconhecer as iniciativas desse governo. Há muito mais acertos que equívocos ou mesmo grandes erros.

    No caso da condução do planejamento urbano acho mesmo uma política bastante equivocada, sem continuidade, pouco fundamentada, sem foco, mas com vontade de acertar, o que não é ideal, mas comparando com as outras oito cidades da Baixada estamos um pouco a frente.

    Para finalizar, antes de cumprimentá-lo , sugiro que esse tipo de discussão seja multiplicado, quer nas faculdades, quer na própria câmara e demais espaços públicos da cidade. Sugiro ainda que esse seu "tom" textual seja ensinado aos novos "pupilos", ou seja, menos acidez e mais coerência e proposições.

    Meus parabéns pela matéria sobre o texto do nosso querido Cascione, o autor das picuinhas eleitorais. Não é fácil concatenar tão bem as palavras e responder tecnicamente ao nosso Deputado decano. Sua lauda foi uma espécie de réplica pública e me senti plenamente representado e satisfeito, mesmo que não concorde em linhas gerais com a postura da oposição em Santos!

    Novamente parabéns e obrigado.

    Cordialmente,

    Arq. Adão Ribeiro

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