A polêmica do pedágio urbano
Dois artigos publicados na coluna Tendências e Debates, da edição de hoje da Folha de São Paulo, polemizam acerca da questão do pedágio urbano. Seja lá qual for a posição do leitor, é certo que temos que fazer algo para limitar o uso do transporte individual.
Mesmo aqui na Baixada Santista, onde parecia distante esta discussão, a água, ou melhor, o trânsito já chegou no pescoço.
Boa leitura!
MARCELO CARDINALE BRANCO
TENDÊNCIAS/DEBATES
São Paulo deve
adotar o pedágio urbano?
SIM
O custo social do
transporte individual
Os custos pagos pela sociedade por conta dos congestionamentos, "patologia"
de várias cidades, são objeto de estudo em diversos países e, mais recentemente,
no Brasil.
Na região metropolitana de São Paulo, a conta chega a algo entre R$ 30
bilhões e R$ 40 bilhões anuais, segundo especialistas, valor próximo ao
orçamento da capital. Os números, que variam conforme a metodologia, incluem
custos ambientais e de saúde pública, perdas de tempo e produtividade, entre
outros.
No Brasil, a cultura rodoviarista e os baixos investimentos históricos em
transportes de alta capacidade criaram a realidade atual: todas as metrópoles
brasileiras têm sérios problemas de congestionamento.
O fenômeno, mundial, resulta do individualismo, que enxerga as vias como
espaço do carro e produz o hábito do consumo de energia ilimitado,
particularmente do petróleo.
Na Europa, os custos ambientais pelo uso de veículos a gasolina e diesel
levaram a União Europeia a criar uma norma na qual o poder público deve incluir
os impactos energético e ambiental nos cálculos de custos de transportes, para
incentivar tecnologias mais limpas e eficientes.
Em São Paulo, 55% das viagens motorizadas são feitas por transporte público;
45%, por veículos individuais -a divisão ideal seria 70% e 30%,
respectivamente.
O indivíduo no automóvel consome 25 vezes mais energia do que o passageiro do
metrô e ocupa um espaço de 20 a 30 vezes maior do que o do ônibus. Se o
reequilíbrio for alcançado, 12 milhões de metros quadrados serão liberados,
criando um círculo virtuoso.
O desequilíbrio modal gera uma conta significativa paga por todos.
Ou seja, o pedágio urbano está "implantado", restando saber quem paga por
ele.
Em nossas cidades, esse custo é dividido entre todos: usuários de veículos
individuais, passageiros dos transportes públicos e operadores do transporte de
cargas, com consequências sobre a segurança e saúde. Por isso, a discussão
conceitual precede a polêmica do destino dos recursos obtidos com determinada
cobrança. A partir daí, o debate se enriquece, amplia-se.
Em diversas cidades europeias optou-se por cobrar dos usuários dos carros, em
um sistema semelhante ao que usamos em questões ambientais: o do "poluidor
pagador".
Levado o conceito aos transportes, paga aquele veículo que utiliza maior área
pública (vias) por passageiro transportado: o carro.
Em São Paulo, por décadas, os recursos públicos para manter as ferrovias ou
investir no transporte de massa e nos corredores de ônibus foram inexistentes ou
escassos. Pareceu sempre mais econômico abrir e ampliar estradas e avenidas e
deixar que os interessados procurassem os meios de locomoção.
Era um meio de desonerar o Estado, o que acabou levando prejuízos
insuportáveis à sociedade, às vezes insanáveis, como as perdas humanas, com
danos muito maiores do que os investimentos e custos que se quis evitar.
A discussão sobre limitação de tráfego nas cidades deve ser realista e
objetiva.
Para minimizar os custos associados à circulação de veículos individuais, o
caminho mais efetivo é favorecer a utilização do espaço pelo transporte público,
aperfeiçoar e ampliar o transporte de massa, disciplinar e restringir o tráfego,
inclusive com cobrança de pedágio urbano, e retirar da região central os
veículos de cargas pesadas.
Isso levará à redução dos congestionamentos, o que tornará o transporte por
ônibus mais atrativo, com maior oferta de lugares, velocidade e
conforto.
JAIME WAISMAN
TENDÊNCIAS/DEBATES
São Paulo deve
adotar o pedágio urbano?
NÃO
Soluções mágicas e
ônibus superlotados
Sobre a proposta, três pontos:1) É uma medida equivocada.
De tempos em tempos, a possibilidade de adoção do pedágio urbano reaparece como solução mágica para a solução dos crescentes congestionamentos em São Paulo e outras cidades brasileiras. A medida visa restringir o acesso (não a circulação) de automóveis aos centros urbanos. Os exemplos são Londres, Milão e outras cidades europeias.
O que se omite é que essas cidades possuem amplos e eficientes sistemas de transporte público. Isto é, existem alternativas para o cidadão.
Não é nosso caso, em que as carências e deficiências do transporte público fizeram o carro representar metade dos deslocamentos diários.
Defensores do pedágio urbano reduzem a mobilidade urbana (e o planejamento) a uma questão de "mercado": como o espaço no sistema viário é exíguo e não acomoda todos os veículos, a possibilidade de sua utilização tem algum "valor". Assim, para usar o sistema viário da área central, o condutor terá de pagar. Mas quanto? (Em Londres, são R$ 25,00 por dia).
Atualmente, a atividade econômica predominante na cidade é a de comércio e serviços. Dada a complexidade territorial de metrópole, centenas de milhares de pessoas, por falta de alternativas, são levadas a empreender diversos deslocamentos diários por automóvel para viabilizar sua atividade profissional.
A liberação da circulação mediante pagamento, nas condições atuais, poderá, ao contrário do pretendido, estimular o uso do automóvel.
2) O pedágio urbano é uma medida preguiçosa e imediatista.
Antes de propor uma medida que pune o cidadão e alivia a pressão sobre o administrador público incompetente, é preciso percorrer um caminho longo e árduo, mas viável.
Por um lado, implantar um sistema de transporte público de qualidade e sustentável: novas linhas de metrô, modernização dos trens metropolitanos e mais corredores de ônibus, integrados operacional e tarifariamente numa grande rede.
Por outro lado, melhorar a gestão da circulação urbana, que abrange inúmeras políticas públicas. Por exemplo: a circulação segura de pedestres, ciclistas e motociclistas; a restrição ao uso do automóvel via restrição ou cobrança de estacionamento; e a restrição à circulação de veículos de carga, a partir de centros logísticos nas intersecções do Rodoanel com as rodovias e ferrovias.
Além disso, como convencer o contribuinte, asfixiado por impostos e taxas, a pagar o pedágio urbano?
Isso numa cidade onde, nos últimos seis anos, não se implantou um único metro linear de corredor de ônibus. Ou onde a implantação de uma linha de metrô demora de 15 a 20 anos, da concepção à operação.
Ou, ainda, num país onde se estimula a utilização do automóvel com a manipulação dos preços dos combustíveis, a pretexto de combater a inflação. E onde se concede, continuamente, benesses fiscais a uma indústria automobilística altamente lucrativa -e se estimula a aquisição de veículos com crédito abundante.
3) O pedágio urbano é uma medida elitista e excludente.
Imaginemos que o pedágio urbano começasse na próxima segunda ou em um ano. O que aconteceria?
Aqueles que pudessem e quisessem pagar circulariam sem restrições (não haveria rodízio), entupindo as vias, exatamente como agora. E contribuiriam, ainda, para abarrotar os cofres municipais ou os de um provável concessionário privado.
E quem não quisesse ou não pudesse pagar? Esses seriam remetidos, de imediato, a um sistema de transporte superlotado e lento (no caso dos ônibus). E como acomodar esses novos usuários involuntários do transporte público? Provavelmente, ficarão pendurados nas janelas e portas dos ônibus, como nas cidades africanas. Ou, então, no teto dos trens, como ocorre na Índia.
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