Santa Maria e o colapso da gestão urbana

Reproduzo, abaixo, artigo do Boletim do Observatório das Metrópoles, que é bastante pertinente no tocante à reação que se sucedeu à tragédia de Santa Maria, de norte a sul, movendo os paquidermes das fiscalizações municipais e corpos de bombeiros.
Boa leitura.

Santa Maria e o colapso da gestão urbana

A tragédia ocorrida no dia 27 de janeiro em Santa Maria (RS) é mais um exemplo do colapso da gestão urbana no Brasil. O incêndio, que destruiu a boate Kiss e matou pelo menos 238 pessoas, se soma a tantas outras tragédias cotidianas presentes nas cidades brasileiras, como é o caso do Morro do Bumba, em Niterói (2010). E expõe a fragilidade histórica do país em atender as demandas sociais da população, como também a nossa capacidade de gerenciar grandes eventos de massa. No contexto de preparativos para a Copa 2014 e Olimpíadas 2016, o Estado brasileiro reafirma com Santa Maria a sua forma de gestão pública arcaica e ineficiente.
Pode-se dizer que o Brasil é arcaico no atendimento das demandas sociais; e moderno na gestão do dinheiro. Ao longo do seu percurso histórico, o Estado brasileiro montou uma frágil estrutura para a gestão e atendimento das demandas sociais. Quando o assunto é saúde, moradia, saneamento básico, transporte, entre outros, o poder público age de forma emergencial e pontual; sendo que não há no país um corpo burocrático eficiente e qualificado para pensar as necessidades sociais da população. O mesmo não ocorre, por exemplo, quando o assunto é o dinheiro. O país tem uma estrutura moderna para a sua gestão econômica; é só voltar o olhar para o corpo técnico dos grandes órgãos econômicos como Banco Central, BNDES e Caixa Econômica Federal para se perceber que há ali uma burocracia histórica, qualificada e valorizada, com plano de carreira e salários adequados para profissionais que irão planejar os rumos econômicos da nação.
A nossa fragilidade de gestão pública se agrava, ainda mais, ao se constatar que o Brasil assume uma configuração essencialmente urbana, com quase 85% dos domicílios brasileiros localizados em áreas urbanas e, desses, mais de 36% localizados em uma das dez principais regiões metropolitanas do país. No entanto, os governantes brasileiros ainda não compreenderam o significado desse fato: grande contingente populacional vivendo em cidades e necessitando de serviços integrados e eficientes. E o papel do poder público? Planejar, regular e fiscalizar todos os serviços, oferecendo bem-estar e condições para a população crescer e se desenvolver.
Quando os serviços essenciais urbanos não funcionam, a cidade paralisa. O mais grave dos casos é quando as tragédias urbanas resultam em perda de vidas. Foi o que aconteceu no incêndio da boate Kiss em Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul. Durante uma festa universitária, a banda que se apresentava usou efeitos pirotécnicos no palco, que se alastraram e começaram a incendiar o teto do estabelecimento coberto com espuma. A boate que estava lotada só possuía uma saída de emergência. As pessoas desesperadas não conseguiram sair. A tragédia resultou na morte de pelo menos 238 pessoas e deixou 106 pessoas feridas.
Após o incidente, a Prefeitura de Santa Maria e o Corpo de Bombeiro tentaram se desvencilhar das acusações de omissão, já que autorizaram o funcionamento da boate mesmo sabendo que o estabelecimento só tinha uma saída de emergência e que o plano de prevenção de incêndios estava vencido.
A tragédia de Santa Maria serve de exemplo para mostrar quando se trata das necessidades sociais o poder público atua no Brasil, sempre de forma emergencial, pouco planejada e ineficiente. Uma semana após o incêndio, o Jornal O Globo noticiou que prefeitos de vários estados do país determinaram uma fiscalização mais rigorosa das casas noturnas, afirmando que seria realizada uma fiscalização mais rígida dos estabelecimentos. É como se antes da tragédia o poder público não precisasse fazer uma regulamentação mais série. O que se vê é a velha confusão entre interesse público e interesse privado: as casas noturnas geram renda e servem como atrativos de lazer e cultura para a população, por conta disso as prefeituras fazem vista grossa até a regularização de todos os procedimentos.
Situação ainda mais grave é a do Rio de Janeiro. Segundo o Jornal O Globo, a Prefeitura do Rio e o Estado fluminense têm 49 espaços culturais funcionando sem a autorização do Corpo de Bombeiros. Se os equipamentos públicos estão nesta situação, qual será a realidade dos estabelecimentos culturais privados no Rio? Como a cidade que quer se alçar ao patamar de cidade global e se tornar uma sede olímpica numa situação de tamanha omissão em termos de fiscalização pública?
A solução para a gestão urbana no Brasil é a consolidação de um corpo técnico qualificado nos três níveis federal, estaduais e municipais; a elaboração de políticas integradas; a execução e mensuração das ações. E, especialmente, a percepção que o crescimento econômico e o desenvolvimento social do país começam pela cidade, pelo urbano presente no dia-a-dia.

Leia o original em http://www.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=490%3Asanta-maria-e-o-colapso-da-gest%C3%A3o-urbana&Itemid=164&lang=pt

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