Movimento Passe Livre coloca mobilidade urbana no centro da política nacional

Vejo com grande simpatia e expectativa o movimento reivindicatório por melhorias no transporte público coletivo denominado Passe Livre, assim como os demais movimentos que aderiram às manifestações justas e pacíficas, nas principais cidades brasileiras, nas últimas semanas.
Enfim, parcela expressiva de nossos jovens parece estar despertando da letargia que se abateu sobre nossa sociedade, nas últimas décadas, pós-democratização do país. Apesar da truculência demonstrada pela polícia, em especial no caso de São Paulo, as manifestações seguem ganhando corpo e consistência em suas reivindicações.
Os políticos e partidos em geral que não desobstruírem seus ouvidos, neste momento de grande relevância da história de nosso país, vão ficar à margem dos acontecimentos e estarão relegados a papel de coadjuvantes no processo de construção de cidades mais inclusivas e justas, pois este processo foi posto em marcha.
Os setores conservadores da política e da mídia vêm reagindo como sempre. Procuram desqualificar o movimento, agem com truculência e chegam ao paradoxo de condenar seu caráter político, como se políticos não fossem e como se política fosse algo sujo ou antidemocrático. Certamente medem o mundo ao redor, com seus próprios parâmetros.
Mas parte importante da esquerda brasileira ainda titubeia em aderir ou apoiar o movimento, que é absolutamente legítimo e inadiável. Desta forma, abre-se o campo para posições mais radicais e sectárias, que dificilmente vão levá-lo a atingir seus principais objetivos.
A questão da mobilidade urbana chegou a um impasse histórico no Brasil. É marcante o descompromisso com que os governos, em todas as esferas, vêm tratando esta política urbana estratégica. 
A implementação de políticas urbanas que estimulam o uso dos automóveis particulares, promovem segregação socioespacial e crescimento periférico das metrópoles, decorrentes do obsceno financiamento de campanhas lastreado em doações de empresas concessionárias de transportes, montadoras de veículos e do mercado imobiliário, vêm condenando a maior parte da população a horas e horas de custosos deslocamentos pendulares para trabalho, estudo ou busca de outros serviços.
A despeito de toda esta situação, as tarifas seguem numa escalada difícil de acompanhar, mesmo considerando os ganhos da massa salarial, na última década. Além do alto custo, os sistemas são ineficientes, pois em grande parte carecem de integração entre modais, oferecem veículos sempre lotados, funcionários estressados cumprindo múltiplas funções, falta de pontualidade ou de frequência de viagens e outras mazelas mais, que torturam grande parte da população brasileira, diariamente.
Além destas questões, os governos relutam em abrir as caixas-pretas das planilhas de custo e negam-se a construir mecanismos de controle social dos sistemas, como conselhos municipais de transporte, por exemplo.
Somente quem só enxerga o mundo através do para-brisa de seu automóvel ou helicóptero particular pode condenar este movimento. Basta tomar um ônibus em qualquer grande cidade brasileira, para entender como absolutamente justas as reivindicações apresentadas nas manifestações que se seguem em nossas cidades.
Apesar de considerar a meta de tarifa zero muito difícil de ser atingida, e até mesmo discutível sob a ótica da justiça social, é inegável que este movimento colocou, enfim, a questão da mobilidade urbana no lugar de onde nunca deveria sair: no centro da política nacional. Quem não compreender o significado desse processo, não está preparado para administrar nossas cidades, nossos estados, nem um país em que mias de 80% da população reside nas cidades.

Leia também, aqui, o post de Raquel Rolnik sobre este assunto.

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