Ermínia Maricato: Cidades no Brasil, da perplexidade à ação
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Em artigo do informativo Vitruvius, a urbanista Erminia Maricato trata do sentimento generalizado de perplexidade vivido pela sociedade brasileira diante do engarrafamento viário e a especulação imobiliária, cujas torres congestionam ruas e comprometem a insolação.
Cidades no Brasil
Sair da perplexidade e passar à ação
Erminia Maricato.
Um sentimento de perplexidade parece acometer
profissionais, acadêmicos e parte da população urbana que acompanham as
mudanças pelas quais as cidades brasileiras estão passando. Essa constatação
tem sido feita nas inúmeras cidades onde tenho feito palestras e conferências.
Os comentários se concentram, principalmente, no engarrafamento viário, onde
multidões perdem horas inúteis paradas e na especulação imobiliária que cria
torres e mais torres em bairros de ruas já congestionadas e com insolação
comprometida.
De fato, a atual tsunami que vivemos nos últimos 5 anos em todo o país
tem origem quando a venda de automóveis, incentivada pelos subsídios, passa a
marcar recordes por um lado e o Programa Minha Casa Minha Vida,
lançado em 2009, coloca em prática os mecanismos de financiamento,
securitização e registro cartorário, além da liberação de recursos públicos,
semipúblicos e privados. Essas medidas impactaram cidades que já carregavam uma
herança pesada gerada pelo desprezo ao interesse público, social e ambiental,
subordinados, historicamente, a interesses privados.
As iniciativas do governo federal pretenderam, e durante um certo tempo
conseguiram, fazer frente à crise internacional de 2008, mantendo o crescimento
da economia e do emprego no Brasil. Entupidas por automóveis e vivenciando uma
explosão nos preços dos imóveis (“a mais alta do mundo”, segundo a
revista Exame de maio de 2011), as cidades, no entanto,
estão passando por um impacto profundamente negativo. Queixa-se a classe média,
mas os que mais sofrem são os despejados, os que moram em favelas incendiadas e
os que estão sendo empurrados para novas periferias, mais distantes ainda como
para a Área de Proteção dos Mananciais, ao sul, e para o norte da metrópole
paulistana.
Vive-se o paradoxo dos efeitos caóticos e predatórios exatamente quando
um governo federal decidiu, após 29 anos, retomar o investimento público em
habitação e saneamento. Caso os municípios cumprissem seu papel constitucional
de dar prioridade ao transporte coletivo, controlar o uso do solo seguindo as
leis e os planos diretores e regulamentar a atividade imobiliária visando o
interesse social, orientado pelo Estatuto da Cidade, esse impacto poderia ser
bem menos violento. Mas não é o que acontece.
Não vamos repetir aqui as consequências desse modelo de crescimento para
a saúde e para o meio ambiente. Basta ler o que foi escrito no ano de 2012,
nesta mesma Carta Maior ou procurar sites
que trazem dados preocupantes como saúde e sustentabilidade.
Em muitas cidades a lei tem sido “flexibilizada”, na Câmara Municipal,
nos gabinetes ou nos Conselhos da “sociedade civil”. Como sempre, no Brasil, a
lei tem sido aplicada de acordo com as circunstâncias. Não é pouco frequente
observar que há juízes que não conhecem leis urbanísticas, especialmente quando
se trata de despejos de favelas ou de comunidades pobres, de um modo geral.
Como parte desse quadro, a recente articulação construída por
empreiteiras de construção pesada (que estão incorporando a atividade
imobiliária entre seus negócios) com as empresas imobiliárias constitui uma
força que não encontra adversários à altura. A relação com o financiamento de
campanhas eleitorais pode amolecer até os mais recalcitrantes. Os que
resistirem são atropelados. Os megaeventos – Copa do Mundo de Futebol,
Olimpíadas e a Exposição Tecnológica, que está sendo prevista na zona norte de
São Paulo, potencializam o poder dessa máquina voraz que se combina também aos
capitais que vêm de fora nessas oportunidades.
É estranho como nessas iniciativas ligadas ao urbanismo do espetáculo
estão plasmadas a ideia de progresso. Mesmo quando o movimento promove a
exclusão social pela especulação (renda fundiária, imobiliária e financeira),
mesmo quando alguns capitais desmontam a possibilidade da racionalidade social
e ambiental, a aparência é de progresso para a qual muito contribuem os
veículos de comunicação.
Tenho ouvido de profissionais arquitetos, urbanistas, engenheiros,
advogados, geógrafos afirmações indignadas sobre a violação das competências
legais, ou sobre a violação das posturas do Plano Diretor ou de determinadas
leis. Todos cobram dos prefeitos e dos vereadores a reação a determinados fatos
(embora haja vereadores e prefeitos que também estão perplexos). Todos têm denúncias
para fazer. Enfim, ouço pessoas indignadas, mas... paralisadas.
O recuo observado nos movimentos sociais durante os últimos 10 anos
também parece contribuir com esse quadro.
Vou repetir aqui o que tenho dito nessas ocasiões frequentes.
Os capitais, os prefeitos e os vereadores também respondem à correlação
de forças e à voz que vem das ruas. Isso é óbvio, mas não parece. É preciso
passar da perplexidade para a ação. É preciso entender o que está acontecendo e
agir, cada entidade, cada movimento e cada pessoa dentro das entidades e dos
movimentos. Agir com criatividade, com inventividade, de forma inovadora,
porque o mundo está mudando. Aí estão as redes sociais, os boletins, as
revistas, às quais temos acesso.
São Paulo, por exemplo, é, dentre 24 metrópoles mundiais, a que
apresenta o pior quadro de doenças emocionais (depressão e ansiedade mórbida,
por exemplo). Nossa vida urbana atual produz patologias como revelam as
pesquisas dos professores da USP (1). Para quem não quiser ler as pesquisas sobre
o assunto, recomendo parar para observar, por alguns momentos, o comportamento
das pessoas no trânsito para perceber o nível de stress, raiva, mau humor,
nervosismo. Como aguentamos conviver com isso? Você já pensou na vida dos
motoristas de ônibus? Aliás, poucas pessoas têm sensibilidade (ou tempo) para
observar o outro. A vida parece estar escorrendo pelas mãos (e, de fato, está).
As atuais taxas de emprego devem ser festejadas, mas existem outras
formas, menos predatórias, de promover empregos na indústria automobilística e
na construção civil.
Apenas repito que não podemos e não devemos nos conformar com isso.
nota
NE
Artigo original: MARICATO, Ermínia. Cidades no Brasil: sair da perplexidade e passar à ação. Carta Maior, Carta Maior, 11 mar. 2013 <www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21725>.
Artigo original: MARICATO, Ermínia. Cidades no Brasil: sair da perplexidade e passar à ação. Carta Maior, Carta Maior, 11 mar. 2013 <www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21725>.
1
Ver website do Instituto Saúde e Sustentabilidade <www.saudeesustentabilidade.org.br>.
Ver website do Instituto Saúde e Sustentabilidade <www.saudeesustentabilidade.org.br>.
sobre a autora
Erminia Maricato é urbanista, professora colaboradora da USP e professora visitante da Unicamp. Autora do livro Impasse da política urbana no Brasil.
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