O artigo do professor Pascoal Vaz em versão completa
O professor Pascoal Vaz enviou-me seu artigo publicado em A Tribuna (ver post anterior), em sua versão completa. Parte dele foi editada, em função da limitação de espaço do jornal, mas publicamos aqui, pois há toda uma introdução bem didática sobre as origens do IDH, que é muito interessante.
Boa leitura!
Boa leitura!
IDH
E IDHM[i]:
BONS, MAS PRECISAM SER UTILIZADOS COM CUIDADO
José Pascoal Vaz é economista, prof. na Unisantos,
pesquisador na Unisanta/Nese e membro do Movimento pró Memória José Bonifácio
Comecemos pelo IDH-Índice de
Desenvolvimento Humano, cujo processo, em evolução, defendo intransigentemente.
Nasceu por idéia de Mahbub Ul Haq, então dirigente do PNUD-Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento. Ul Haq buscava um indicador que fosse além do
PIB per capita pois argumentava, com razão, que este isoladamente servia pouco para
comparar a qualidade de vida dos países. Amartya Sen, seu colega de PNUD,
depois Nobel de Economia 1998, não acreditava que fosse possível haver um
indicador de qualidade de vida de construção simples, como o é o PIB per
capita, a ponto de poder ser calculado por todos os países da ONU, cerca de duas
centenas, pois muitos deles eram bem pobres e com sistemas estatísticos insipientes.
Em 1990, o PNUD publicou o primeiro RDH-Relatório do Desenvolvimento Humano,
inaugurando a série de IDH com 130 países.
O IDH inaugural foi calculado com as dimensões “padrão de
vida digno” (medidor: PIB per capita), “vida longa e saudável” (expectativa de
vida ao nascer) e “conhecimento” (alfabetização de adultos e anos de
escolaridade). O primeiro IDH nasceu com muitas imperfeições, como aceitava o
próprio Ul Haq, pois argumentava que, com grau de exigência maior, o IDH jamais
nasceria. Falecido Ul Haq (1934-1998), Amartya Sen conta a história no RDH
1999-pg. 23, reverenciando emocionado a pertinácia e a visão do companheiro. O RDH
2013, publicou IDH de 186 países, com muitos aperfeiçoamentos nos seus 24 anos.
O IDH está hoje entranhado no sistema estatístico das nações e deu força para o
aparecimento de famílias diversificadas de indicadores de qualidade de vida. O
PNUD merece admiração e respeito.
De longe, a mais grave imperfeição era a não consideração
da distribuição do IDH. Dois países, A e B, podiam ter o mesmo IDH médio e, no
entanto, A oferecer mais qualidade de vida se, nele, a distribuição do IDH fosse
melhor do que a distribuição do IDH de B. Em minha tese (2004), calculei a
distribuição do IDH brasileiro e cheguei a resultados alarmantes. Em 2000, para
um IDH médio=0,757, os 10% mais ricos tinham IDH=1,023 e o 1% mais rico
IDH=1,141(igual ao dos ricos dos países altamente desenvolvidos). Os 10% mais
pobres, IDH=0,485 e o 1% mais pobre IDH=0,280 (igual ao do Níger, penúltimo
colocado entre 173 países).
O aprimoramento mais significativo no IDH foi justamente a
introdução, a partir do RDH 2010, da medida da desigualdade do IDH, permitindo
apresentá-lo em duas versões que podem resultar muito diferentes, a do IDH e a
do IDHAD (IDH Ajustado à Desigualdade)[i]. Por exemplo, no RDH 2013 o
Brasil aparece em 85º. lugar, com IDH=0,730. Considerando o ajuste, o Brasil,
por ser mais desigual do que a média dos demais países, perde 12 posições, com
menos 27% no indicador, que passa a ser IDHAD=0,531.
Permanece pelo menos uma imperfeição importante no IDHAD,
a da não consideração da qualidade dos indicadores, pois dois países A e B
podem ter (e frequentemente têm) o mesmo valor para, por exemplo, o índice
educação, mas A ter aprendizado muito inferior ao de B.
Vamos agora ao IDHM, recém divulgado[ii]. Santos aparece em 6º.
lugar, entre 5.565 cidades, com 0,840. Esta
colocação, mais o fato de IDHM acima de 0,800 ser considerado pelo PNUD[iii] como de “alto grau de
desenvolvimento humano”, podem estar levando alguns a pensar que em Santos a
qualidade de vida já é muito boa, devendo a ênfase a partir de agora recair
sobre o crescimento econômico, com seu perfil de produção decidido apenas pelas
forças do mercado. Devido à grande concentração da renda e da riqueza na cidade
e, portanto, da demanda efetiva, esta concepção não pode, de forma alguma,
impregnar os trabalhos do PMDE-BS-Plano Metropolitano de Desenvolvimento
Estratégico da Baixada Santista e do recém criado colegiado para a revisão do
PDS-Plano Diretor de Santos. O arquiteto José Marques Carriço, escolhido para
coordená-lo, além de competente, sabe que o PDS vai muito além da importante
questão do uso e ocupação do solo. O PDS deve ser um Plano para o
Desenvolvimento Social de Santos, forjado pelo confronto das forças sociais,
com referenciais de médio e longo prazos, que transcenda e sobreviva a vários
governos podendo, no entanto, ser revisto diante de realidades não previstas. O
crescimento econômico deve ser uma parte do PDS e ser planejado e executado de
modo a viabilizar, com o máximo de produtividade sistêmica, a consecução do
próprio PDS. A este devem estar amarrados os PPA, as LDO e as LO[iv], que poderão lhe fazer
ajustes finos.
O cuidado expresso no título deste artigo decorre de os
IDHM serem calculados como média de cada cidade, ou seja, como se sua
desigualdade fosse zero, o que mascara a qualidade de vida para a maioria da
população por pelo menos cinco motivos. Um, o fato de a concentração da renda
estar aumentando em Santos (coeficiente de Gini de 0,52 em 1991 e 0,55 em
2010), enquanto diminui no Brasil (0,63 e 0,60)[v]. Dois, o fato relativo à grande
piora de Santos quanto às posições de desigualdade em relação a 1991. Neste ano, eram 2486 as cidades com Gini
melhor. Em 2010, este número subiu a 4399; ou
seja, 79% das cidades brasileira eram menos desiguais que Santos[vi].
Três, o fato de a Liberdade Substantiva[vii] só estar disponível para
29% dos moradores de Santos[viii], afrontando nosso brasão:
“À pátria ensinei a caridade e a liberdade”. Quatro, o fato de estar havendo
expulsão dos mais pobres devido ao elevado custo de viver em Santos, como
demonstrado no livro organizado por Daniel Vazquez[ix]. Cinco, o fato de a
desigualdade na oferta de qualidade nos serviços de saúde, educação etc ser
notoriamente contra os mais pobres, o que não aparece no IDHM.
Espera-se que o compromisso do prefeito Paulo Alexandre de
ter como principal objetivo o “combate ao abismo social” não seja abrandado
pela divulgação do IDHM. O Diário Oficial de Santos de 31/7/13, no dia seguinte
ao da divulgação do IDHM, publicou que “em ranking da ONU, Santos é a 6ª.
melhor em qualidade de vida”, destacando que “os programas sociais da
prefeitura ajudam a elevar o IDH da cidade”. Estes, quando bem feitos, são
importantes. Mas é preciso ir muito além, com políticas públicas que induzam à criação
de empresas que ofertem empregos com bons salários, via um fundo municipal de
investimentos[x]
e via recapacitação de mão de obra; geração de renda, inclusive com forte apoio
à economia solidária e cooperativas; complementação da renda per capita até que
esta atinja a um quarto do salário mínimo; bons serviços de saúde, educação,
transporte coletivo (porquê não com tarifa zero?); nova política de uso e
ocupação do solo contra a especulação imobiliária, com incentivo à habitação
para os de baixa renda; introdução de IPTU progressivo com a renda e o
patrimônio etc.
[ii] Atlas do Desenvolvimento Humano no
Brasil (FJP-Fundação João Pinheiro, IPEA-Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas e PNUD-Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com dados
do Censo 2010/IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
[iii] Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento
[iv] PPA=Plano Plurianual de
Investimentos, LDO=Lei de Diretrizes Orçamentárias, LO=Lei Orçamentária.
[v] É natural que o índice nacional seja
superior ao dos municipais, pois o primeiro considera a menor renda per capita
do município mais pobre e a maior do município mais rico.
[vi] A queda de 4 posições no IDH, da 2ª.
para a 6ª. posição, entre 1991 e 2010 é pouco siginificativa (0,07% do total de
cidades)
[vii] Conceito de Amartya Sen sobre as
condições reais necessárias para as pessoas desenvolverem seus projetos de vida
feliz
[viii] De acordo com trabalho de conclusão
do curso de economia da Unisantos elaborado em 2012 pelos alunos Andressa
Riechelmann e Daniel Rezende, orientados por mim.
[ix] A Questão Urbana na Baixada
Santista-Políticas, vulnerabilidades e desafios para o desenvolvimento, 2012 –
Editora Universitária Leopoldianum
[x] Parcela da população de Santos,
devido à forte concentração da renda e da riqueza, aplica expressivos recursos
em outras regiões do Brasil. Parte disto poderia ser aplicada na constituição
de um fundo de investimentos em Santos e na região.
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