Nabil Bonduki: Plano Diretor de São Paulo não inviabiliza mercado imobiliário, mas regula a sua atuação.

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A cidade de São Paulo é resultado de um processo histórico de falta de planejamento adequado, que gerou áreas bem servidas de infraestrutura e outras muito precárias, ineficiência da mobilidade urbana, longas distâncias entre moradia e trabalho e impactos no meio ambiente.

A revisão do Plano Diretor Estratégico propõe a reversão dessa lógica ao ordenar o desenvolvimento urbano, para enfrentar os desafios surgidos nas últimas décadas, por isso sua aprovação é tão importante.

Principal instrumento de planejamento urbano para os próximos 16 anos, a revisão do Plano Diretor, do qual fui relator, foi aprovada em primeira votação na Câmara Municipal de São Paulo em 30 de abril, após um longo processo de participação popular, e atualmente aguarda para ser votado em segunda discussão.

Para que se pudesse aperfeiçoar a proposta, entregue pelo prefeito à Câmara em setembro de 2013, foram realizadas mais de 50 audiências públicas, entre regionais – quando foram coletadas as contribuições específicas de cada região da cidade -, e temáticas, que abordaram temas como urbanização, meio ambiente, uso do solo, mobilidade, cultura, habitação, entre outros.

Somadas ao processo na prefeitura, foram cerca de 150 audiências públicas, além da criação de um site onde os cidadãos puderam indicar as propostas de alteração que julgassem necessárias.

Divulgação
O novo Plano Diretor propõe o incentivo ao adensamento populacional em áreas próximas aos eixos de transporte de massa
Nabil Bonduki, vereador (PT-SP) e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, sobre mudanças no zoneamento urbano em São Paulo
Esse processo participativo tornou mais evidente a necessidade de se alterar a lógica de desenvolvimento urbano de São Paulo para enfrentar seus atuais e futuros desafios: a desigualdade socioterritorial, os problemas de mobilidade, a depredação ambiental, a carência de habitação para a baixa renda e a falta de espaços livres que contrabalancem o processo imobiliário.

Muito daquilo que consta na proposta de substitutivo do Plano Diretor expressa esse debate. São ideias que refletem o que os diversos setores da população buscam projetar para o futuro da cidade.

O novo Plano Diretor propõe o incentivo ao adensamento populacional em áreas próximas aos eixos de transporte de massa, como corredores de ônibus e estações de metrô, que possuem mais infraestrutura, aproximando, dessa forma, moradia e emprego.

Há atualmente, no centro expandido, 17% da população da cidade e quase 70% da oferta de empregos. Portanto, para essa região, se desloca a trabalho todos os dias não só a população da periferia, mas da região metropolitana e até mesmo de municípios que estão já há mais de 50 quilômetros da capital.

O Plano Diretor prevê mecanismos para que seja mais caro se construir edifícios comerciais no centro expandido, com a intenção de se estimular as residências nessas regiões, que carece de uma reocupação populacional, e estimula a criação de emprego nas demais regiões.

Ao mesmo tempo, o PDE propõe que se preserve as áreas residenciais dos bairros, criando um limite de altura de até 25 metros, evitando os chamados espigões nos miolos desses bairros. A construção de prédios maiores do que o limite estabelecido só será permitida em áreas próximas à infraestrutura de transporte público.

Essa ideia de “cidade compacta”, que cresce ao longo de seus eixos de mobilidade, vai ao encontro da priorização do transporte coletivo e não motorizado, outro objetivo do Plano Diretor.

O Plano desenha a malha de corredores de ônibus estruturados na cidade, que foram propostos pela prefeitura, e prevê a construção de ciclovias. O que se propõe não é a abolição do uso do carro, mas sua racionalização, o que só vai existir se tivermos um transporte coletivo de qualidade, eficiência, conforto e custo adequado à população.

Ao mesmo tempo em que as áreas mais bem servidas de infraestrutura receberão maior número de moradores, haverá a criação de Polos de Desenvolvimento Econômico em regiões periféricas, onde haverá incentivos para que novas empresas sejam instaladas, contribuindo para urbanização dessas regiões.

O Plano Diretor, portanto, não inviabiliza nem estimula o mercado imobiliário, mas regula a sua atuação para onde a cidade deve crescer.

Áreas Verdes

O projeto também prevê a produção de habitação para famílias de baixa renda, de até três salários mínimos, e para o mercado popular, uma faixa intermediária, para famílias de 6 a 10 salários mínimos, estimulando, portanto, a produção de habitação para as várias faixas de renda existentes na cidade.

A ideia de “cidade compacta” também serve para reverter o processo de crescimento horizontal, que se não for contido, ocupará o que resta do cinturão verde da cidade.

Para consolidar a preservação dessa área, localizada no extremo-sul da cidade, a zona rural do município será recriada e abrangerá 25% do território paulistano.

O objetivo é conter a expansão horizontal da cidade e fazer essas áreas serem mais bem utilizadas, criando emprego e renda com atividades que garantam a preservação do meio ambiente – como a agricultura orgânica e o ecoturismo.

Se não for contido, o processo de crescimento horizontal ocupará o que resta do cinturão verde da cidade

Nabil Bonduki, vereador (PT-SP) e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, sobre o novo Plano DiretorSomado a isso, o projeto propõe o pagamento por serviços ambientais, cuja ideia é criar editais semestrais para que sejam remuneradas as empresas que preservarem, por exemplo, áreas remanescentes de mata atlântica.

Para preservar o que resta de áreas verdes em áreas urbanas, o Plano Diretor prevê a construção de 163 novos parques públicos, que se somarão aos 105 existentes.

Para tornar essas e outras diretrizes mais efetivas, o Plano Diretor possui instrumentos autoaplicáveis, que independem da elaboração de outras leis para entrar em vigor.

Apesar de não existir uma metodologia e indicadores consensuais a respeito do formato, dimensão e duração de um processo participativo adequado para a formulação de um instrumento tão complexo como o Plano Diretor, o processo que realizamos foi muito amplo e inédito.

Alguns nunca ficam satisfeitos porque dão mais importância para o processo do que para o resultado e defendem um prazo indeterminado para o debate. Outros, insatisfeitos com a proposta, buscam manter o processo de debate de modo a inviabilizar uma solução que não atende aos seus interesses ou posições.

Esse tipo de posicionamento acaba por levar ao imobilismo e, em consequência, os dramáticos problemas urbanos que saltam aos olhos de qualquer paulistano só tendem a se agravar.

Não podemos protelar a votação do Plano Diretor, pois, após 11 anos de vigência, ele precisa ser revisto para estar em situação regular perante o Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001. Além disso, suas diretrizes são muito importantes para a cidade e sua aprovação abrirá caminho para a elaboração de outras leis, também necessárias ao planejamento urbano.

O Plano Diretor não é o projeto de um governo, de um vereador, nem, por si, resolve todos os problemas da metrópole, mas representa um passo para a construção de uma cidade melhor no futuro.

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