Para que servem os recuos, afinal?

Juvenal, em suas Sátiras, escritas entre os séculos I e II, assim se referia à vida urbana em Roma, onde os incêndios eram frequentes e as construções residenciais populares (insulae) eram altas, precárias e não guardavam distância umas das outras:
“Não, não, devo viver onde não haja fogo e a noite seja livre de sobressaltos”.
A questão era tão crítica na mais importante cidade da antiguidade, que os romanos criaram aquele que é provavelmente o mais antigo índice urbanístico, o recuo mínimo entre as edificações.
Denominado “ambitus” e medido em braças, o afastamento mínimo obrigatório entre os edifícios passou a ser exigido.
Uma braça romana equivalia a algo em torno de 73 cm, o comprimento médio de um braço.
Durante a idade média, provavelmente em função da baixa densidade construtiva dos sítios urbanos, a exigência dos recuos foi esquecida, retornando na idade moderna, após seguidos grandes incêndios, como o de Chicago.
No século XIX os recuos também passam a ser exigidos, em face da necessidade de garantir melhores condições sanitárias às grandes cidades, em função das epidemias, que ceifaram milhões de vidas.
Em Santos, o recuo lateral mínimo surge na Lei nº 82, de 1896, como forma de combate às epidemias que transformaram a cidade no “porto maldito”.
Em 1916, o Código Civil brasileiro, inspirado no Código Napoleônico, passa a exigir a distância de 1,50 m entre as edificações, quando estas tivessem aberturas voltadas umas para as outras.
Curiosamente, praticamente o dobro da braça romana.
Durante o século XX, a exigência de recuos mínimos consolidou-se na legislação urbanística santista, mas não foi capaz de evitar situações como as da primeira foto, em que a circulação dos ventos refrescantes provenientes do mar é barrada pela justaposição de enormes edifícios.
Na década passada um importante estudo (veja a outra foto e acesse o inteiro teor aqui) denunciou o grave efeito da verticalização desmedida no bairro da Pompeia, resultando em prejuízos ambientais e ineficiência energética.
Garantir um bom afastamento entre edificações, principalmente quando há janelas voltadas para os lotes vizinhos, é essencial para que a cidade possa ser ventilada e iluminada naturalmente.
Infelizmente, não é o que temos presenciado nas últimas décadas, quando o padrão de verticalização da cidade tornou-se abusivo e ambientalmente insustentável.

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