Obras na Fonte Luminosa do Boqueirão podem colocar em risco patrimônio santista



Conjunto da Fonte.Luminosa do Boqueirão, Santos/SP. 
Foto: Adilson Costa Macedo.

Não me recordo ao certo a primeira vez em que pisei sobre aquelas figuras encantadoras da Fonte Luminosa da praia do Boqueirão. Provavelmente foi no final dos anos 50, levado pelos meus pais, embalado pelo som da Bossa Nova e pela esperança de um Brasil que se industrializava.

Toda vez que por lá passo, em minhas caminhadas pela praia, sinto o cheiro e os sons daqueles tempos e minha vista se distrai com siris, medusas, golfinhos, tartarugas e outros animais estampados no mosaico português, todos executados com tamanho esmero e pericia, que passados 60 anos ainda resistem ao pisoteio de milhares de crianças que como eu, por ali passaram.

Meu pensamento se perde observando as curvas da marquise maior, que lembra a Casa do Baile de Niemeyer na Pampulha, observando suas sancas de iluminação, o circulo vazado na laje que deixa entrar a luz do sol, os maravilhosos bancos com assentos de granilite e pés esverdeados, vazados com figuras sinuosas. A fonte, sem a iluminação colorida há muitos anos, ainda faz minha imaginação admirar a imagem do mar filtrada pelos esguichos d’água.

Em artigo escrito por seu filho Adilson, professor de arquitetura e urbanismo, fiquei sabendo que aquele maravilhoso conjunto foi projetado por Eduardo Costa Macedo, arquiteto da Prefeitura, também autor dos "abrigos de bondes" modernistas das avenidas da Praia e Ana Costa. O cuidado com a execução da obra era tanto, que Macedo a acompanhava pessoalmente, segundo o relato.


Detalhe da dupla coloração do casco da tartaruga

Felizmente, todo o conjunto da Fonte Luminosa é protegido por tombamento do Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo - CONDEPHAAT. Assim, qualquer intervenção no local precisa ser analisada e autorizada pelo órgão.

Mas dias desses deparei com uma obra sendo executada pela Prefeitura, no local. Fiquei estarrecido com a intervenção. As preciosas pedras portuguesas, que antes compunham as imagens dos animais marinhos, estavam amontoadas no tempo, trabalhadores revirando o solo, tapumes erguidos etc.



Pilha de pedras do mosaico português expostas ao tempo.
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Em noticia no portal da Prefeitura fiquei sabendo que são obras de recuperação da drenagem da área, dentre outras coisas, com substituição do piso, que se promete manter “igual”, e dos assentos dos bancos.

Procurei no site do CONDEPHAAT alguma referência a processo de autorização da intervenção, mas não tive sucesso. Evidente que a Prefeitura está fazendo a obra com as melhores intenções, para dar boas condições de uso à área. Mas se o serviço não for baseado em projeto de restauro, com responsável técnico, e não estiver a cargo de empresa com capacitação para esse tipo de obra, sob acompanhamento do conselho, santistas e turistas correm o risco de perder um dos locais mais marcantes da cidade.

Sabe-se que a técnica de execução do mosaico português exige muito cuidado e paciência, sobretudo para realizar figuras como essas, em que cada pedra deve ser escolhida e talhada de forma a deixar o menor espaço entre elas, evitando que se soltem ao longo do tempo, colocando em risco o conjunto. Não usar a técnica correta pode condenar o piso, paulatinamente, à degradação.

Também é difícil imaginar como substituirão os assentos de granilite dos bancos, sem danificar os pés. E nem quero pensar no que vai ocorrer se substituírem as pastilhas da fonte e das marquises, pois foi muito ruim a intervenção desse tipo, feita na década passada, nos "abrigos de bondes" mencionados acima, pois usaram pastilhas de cor e tamanho diferentes.

Todos nós devemos esperar bom senso e critério, por parte das autoridades responsáveis pela intervenção, pois está em risco um conjunto adorável, que há décadas povoa a imaginação de meninos e meninas, que como eu pisaram sobre aqueles animais. 
Muitos deles hoje aguardam fazer parte novamente daquele oceano lúdico, transformado em pilhas de pedras a espera das mãos hábeis de algum artesão, que evoque o espirito de Eduardo Costa Macedo.

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