A Usina de Incineração de Resíduos e as pontas soltas da nova reforma do Parque do Emissário Submarino de Santos

Maquete eletrônica da reforma do Parque do Emissário Submarino

Há muitas pontas soltas na anunciada reforma do Parque do Emissário Submarino, em Santos (imagem acima). Aliás, intervenção anunciada quase ao mesmo tempo em que iniciava (ver imagem abaixo). Na matéria foi informado que as obras de reforma do parque, no valor de 15 milhões de reais, seriam custeadas pela empresa "Terracom" em contrapartida à ampliação do aterro sanitário do Sítio das Neves, na área continental de Santos.


Página A6 da edição de ontem do jornal A Tribuna

Matéria publicada na edição de ontem do Diário Oficial de Santos trouxe novos esclarecimentos e levantou mais dúvidas, sobre a obra denominada "Novo Quebra Mar" do Parque "Roberto Mário Santini". A obra deverá ter a duração de 180 dias e contará com um pórtico de entrada e uma alameda central, que ligará o aceso ao parque à escultura da artista plástica Tomie Ohtake.
Olhar Praiano apurou que a contrapartida devia-se à medida compensatória referente ao Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) da Unidade de Recuperação de Energia (URE) - Valoriza Santos, a polêmica usina de incineração de resíduos sólidos urbanos, que quer instalar a empresa Valoriza Energia SPE Ltda., controlada pela CGR Terrestre. A Terrestre é a empresa proprietária do aterro sanitário, e tem participação societária da Terracom, responsável pela coleta e disposição final de resíduos sólidos urbanos de Santos e outros municípios da Baixada Santista.
Como se sabe, são muitas as restrições ao empreendimento da URE. Ainda assim, contrariando o artigo 27 da Lei Complementar nº 793/2013, que dispõe sobre Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e exige a realização de audiência pública para empreendimento desta natureza, a Prefeitura publicou (imagem abaixo) a aprovação do EIV, quase ao mesmo tempo em que as obras no Emissário se iniciavam.


Edital publicado na edição de ontem do Diário Oficial de Santos.

Uma das principais questões que se coloca é porque recursos oriundos de compensação ambiental de empreendimento tão impactante estão sendo direcionados para um empreendimento que em nada contribui para a mitigação de seus impactos?
E ainda que houvesse algum sentido neste tipo de compensação, desvinculado dos impactos reais do EIV, porque a opção foi canalizá-la para obra em local já saturado de tantos investimentos públicos, em uma cidade com enormes problemas ambientais e habitacionais, que acaba de sofrer uma tragédia com 8 mortos e dezenas de desabrigados pelas chuvas do início de março?
Outro aspecto curioso é que a empresa que realiza a obra de reforma do parque do Emissário é a Terracom. Portanto, a exemplo do projeto "Nova Ponta da Praia", parece que a empresa responsável pelas intervenções será beneficiária da própria contrapartida.
Na realidade, são vários os casos de utilização da Lei de EIV, para geração de contrapartidas deslocadas dos reais impactos dos respectivos empreendimentos. Olhar Praiano vai apontar, futuramente, alguns desses casos, que demonstram a forma estranha com que a lei está sendo aplicada.

Recuperando a história do Emissário

Durante anos, uma ação judicial, movida pelo Ministério Público, solicitava a remoção da plataforma, impedindo sua urbanização, pois este era o compromisso da SABESP, quando do projeto do Emissário Submarino, implantado pela empresa, em 1978
A primeira obra de urbanização sobre o aterro do Emissário, ainda em caráter provisório, resultou da implantação parcial de projeto da Prefeitura, no início da década de 1990. A área deveria abrigar o "Circo Marinho", palco, estacionamento, arquibancada para surfe (prometida desde a década anterior), atracadouro de pesca e mirante. Em 1992 foi inaugurada a "Cidade Radical", com equipamentos para a prática de skate, bicicross e surf. Nos quatro anos posteriores, a área ganhou canteiros, calçadas, playground e iluminação. 
No final de 1996, a Prefeitura contratou a empresa de Beto Carrero, para a construção de um parque aquático no local, aliado a um "centro de lazer e pesquisas marinhas". No ano seguinte, a licitação que definiu a firma vencedora foi anulada devido a supostas irregularidades. 
Em 1999, a Prefeitura, após contatos com empresários norte-americanos, prometia implementar o "Pier Plaza Show", centro de entretenimento familiar, que incluía o "Memorial Pelé". 
Em 2001, foi definido o projeto do "Museu Pelé", que ocuparia 3 mil dos 43 mil m² da plataforma. Além do museu, o projeto previa lojas, restaurante, bar e auditório. A obra foi embargada pela Justiça, em março de 2003, devido a ação do Ministério Público Federal (MPF), que questionava o impacto ambiental do projeto. 
Em abril de 2005, o MPF ingressou com outra ação, com objetivo de obrigar a SABESP a demolir a plataforma e recuperar as características originais da praia.
Em 2006, a Justiça Federal de Santos autorizou a implantação do parque público na plataforma, baseado em novo projeto da Prefeitura.
Em maio de 2007, a Prefeitura de Santos obteve autorização do Ibama, para urbanizar a plataforma do emissário submarino. O projeto, inicialmente denominado "As Ondas Santos 21", foi projetado pelo renomado arquiteto Ruy Ohtake, contratado com dispensa de licitação.
Após cessão da área ao Município, por parte da Secretaria do Patrimônio da União, e aporte de quase 7 milhões de reais do governo estadual, em 26 de janeiro de 2009, data do aniversário de Santos, foi inaugurado o Parque "Roberto Mário Santini", em homenagem ao falecido proprietário do jornal A Tribuna de Santos.


Croquis com as atrações do Parque "Roberto Mário Santini"

Rápida degradação e muitos investimentos


A grande vedete da obra, que rapidamente se tornou símbolo de Santos, é a escultura de Tomie Ohtake, que agora passará por manutenção, segundo informação da Prefeitura.
Olhar Praiano esteve no local, logo após, a inauguração. A aparência era de um parque árido, em função da limitação de se plantar árvores sobre o enrocamento do Emissário. Algumas das atrações pareciam mal acabadas e todo o conjunto denotava a pressa em inaugurar o conjunto, na data simbólica. Atualmente, a pressa em iniciar a obra pode ter relação com a proximidade das eleições municipais. 
Apesar de bastante frequentado, muitas reclamações foram surgindo ao longo dos anos, exigindo ajustes. Eram evidentes, também, problemas de manutenção.
Em 2018, Ruy Ohtake foi contratado novamente, para projetar, no parque, o "novo" Museu do Surf, em substituição ao implantado em 2009. A obra foi executada em 2019, pelo valor de 1,34 milhão de reais.
Portanto, o parque do Emissário, caminha para se tornar um novo caso como o "Teatro Coliseu", que de tantas reformas (uma em andamento), tornou-se um sorvedouro de recursos públicos, em uma cidade que atravessa crise de empregos e tem sérios problemas socioambientais, que requerem a atenção de seus governantes. 




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