Governo Estadual e Ecovias querem remover famílias do Piratininga. Entenda como o projeto viário da “Nova Entrada de Santos”, está se transformando na “Nova Saída de Santos”


Área em que famílias de baixa renda estão ameaçadas de remoção.

Aos poucos, o projeto viário da “Nova Entrada de Santos”, parceria entre governos Estadual e Municipal, está se transformando na “Nova Saída de Santos” para muitas famílias. Uma liminar concedida pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos, em face de uma ação de reintegração de posse movida pela Ecovias, concessionária que administra o Sistema Anchieta-Imigrantes (SAI), e pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), determina a remoção de cerca de 72 famílias (ver reportagem do jornal Diário do Litoral aqui), que há décadas habitam a faixa de domínio da rodovia, no bairro Piratininga, junto à Via Anchieta.
Em plena pandemia, é realmente estarrecedor que um juiz de direito ignore o Direito à Moradia e à dignidade humana, previstos na Constituição Federal. Sua decisão deu prazo de 30 dias para que famílias abandonem o local, no Km 62,2 da rodovia, ao lado do novo Viaduto Piratininga e da nova passarela de pedestres, que ligam os bairros Piratininga ao Alemoa.
Incrível, também, é a postura aparentemente omissa da Prefeitura, que segundo a mencionada reportagem, “alega que é uma questão particular e que o Município não pode fazer nada para ajudá-los”.
Mas o projeto da “Nova Entrada de Santos” (foto abaixo) vem sendo planejado desde o final do mandato do prefeito João Paulo Tavares Papa. Portanto houve tempo de sobra para equacionar o destino dessas famílias, em sua maioria de baixa renda.



Em julho de 2016, a Ecovias apresentou à Prefeitura um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), em cumprimento à Lei Federal nº 10.257/2001 e à Lei Municipal nº 793/2013, que preveem a realização deste tipo de estudo para obras de grande impacto.
O empreendimento foi concebido em etapas e o EIV foi orientado por um Termo de Referência expedido pela própria Prefeitura, em 2016, que orientava a elaboração do estudo. O EIV deveria avaliar os impactos ambientais e socioeconômicos do empreendimento. O teor do estudo pode ser acessado aqui.
Em 2016, a posição da Prefeitura era de que a Ecovias deveria apresentar um “Plano de Comunicação para a comunidade do entorno, contemplando moradores e usuários do sistema viário”, com prazo até o início das obras. Evidentemente, neste plano deveriam ser mencionadas eventuais necessidades de remoção e as medidas de cunho social a serem adotadas.
Estranhamente, as únicas menções que o EIV faz às ocupações na faixa de domínio da rodovia são nos itens 8.2.5. (p. 57), quando apresenta a análise da arborização urbana e no 8.2.12. (p. 60), quando trata da “Interferências com a População”.
No item 8.2.5., afirma-se que “Para as ocupações de faixa de domínio, cuja finalidade não tem ligação com a infraestrutura da rodovia, deve-se seguir o Regulamento específico do DER, onde são estabelecidas as normas, diretrizes, procedimentos, rotinas operacionais e demais ações relativas à ocupação e uso. Por fim, a faixa de domínio tem que ser mantida livre de ocupação e outros usos devem ficar reservadas para melhorias e ampliações quando requeridas, sendo assim, não é permitida a arborização ao longo da faixa de domínio, inclusive por questões de segurança dos usuários.”
No item 8.2.12., é mencionado que “Não são esperadas desapropriações de população existente, uma vez que as obras de implantação serão realizadas na faixa de domínio da Rodovia, do DER e da União.”
O mais grave é que, em audiência pública para apresentação do EIV, em 2018, a Ecovias afirmou que as obras não implicariam em remoções. Portanto, fica claro que a empresa e o Governo do Estado se eximiram de responsabilidade por terem permitido durante décadas a ocupação da faixa de domínio da Via Anchieta e de apresentar uma solução habitacional para elas. Por outro lado, a Prefeitura, ao ter aprovado o EIV e ter concordado com as medidas mitigatórias e compensatórias do empreendimento, ou não tomou conhecimento da necessidade de remoção das famílias ou não teve essa preocupação.
Olhar Praiano tem notícias de remoções efetuadas pela própria Prefeitura em sua parte da obra da entrada da cidade, mais especificamente na Vila Alemoa e no São Manoel. Na Vila Alemoa, famílias foram removidas para que fosse realizada obra drenagem na bacia do Rio Furado. No São Manuel, famílias também estão sendo ameaçadas de remoção, próximas às obras da nova ponte que interligará a Via Anchieta aos demais bairros da Zona Noroeste. A ponte também faz parte do conjunto de intervenções da “Nova Entrada de Santos”.
As obras estão sendo realizadas com recursos federais, via Caixa Econômica, mas estranhamente o Governo Federal não exigiu o trabalho social no acompanhamento das obras, como é de praxe nesses casos.
Parece que esses três casos, Piratininga, Alemoa e São Manuel, são o reflexo dos tempos obscuros que estamos vivendo, que envolvem as três esferas de governo e remontam aos episódios mais sinistros da ditadura militar, quando era comum a remoção de favelas para a implantação de obras rodoviárias. 
Aliás, a própria favela da Vila Alemoa nasceu quando famílias que viviam da pesca artesanal e ocupavam as margens da Anchieta foram empurradas para cima do Rio Furado, quando o mesmo DER resolveu construir a Marginal Sul da rodovia. 

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