Santos, o Censo 2010 e o telescópio de Galileu


O artigo intitulado “Santos a encolher”, escrito pelo professor Alcindo Gonçalves, publicado na coluna Tribuna Livre, edição de hoje de A Tribuna, fez-me lembrar do artigo “Brecht e o Plano Diretor”, do professor Flávio Villaça, acerca da peça “A vida de Galileu”, escrita pelo dramaturgo alemão. Neste trabalho, Villaça brilhantemente critica o uso das ideias para a preservação do status quo na área de planejamento urbano.
Villaça relata um trecho da peça, passado em Florença, na casa de Galileu, onde está seu telescópio, com o qual o astrônomo acaba de descobrir três estrelas, que em homenagem à casa de Médici batizara de Medicéia. Em seguida, Galileu recebe a visita de três sábios, professores da universidade local, e que representam o saber oficial. Como demonstra a peça, os sábios recusam-se a admitir a existência dos astros, mesmo diante da insistência de Galileu para que estes os observassem pelo telescópio. Os sábios negam-se a usar o aparelho, pois a descoberta questionava a astronomia ptolomaica, colocando em cheque o poder religioso e o poder político, representado pela casa de Médici. Villaça, com acerto, ressalta que todo este “saber” conservador “é ideia pura, autônoma, que se nutre de si própria e que não tem qualquer compromisso com a realidade empírica”.
Em seu artigo, Alcindo afirma que duvida “bastante das explicações que apontam a diminuição da população da Cidade através de teorias de migração regional (mudança de pessoas de Santos para outras cidades vizinhas)”. Bem, em seu questionário completo, no Censo 2000, o IBGE perguntou aos entrevistados em que cidades residiram nos últimos cinco anos. Com base nestas respostas, o pesquisador Alberto Jakob, do Núcleo de Estudos da População (NEPO), da Unicamp, desenvolveu uma série de trabalhos que evidenciam a existência de um vetor de migração interregional e também intrarregional, com origem em Santos, sendo o segundo orientado predominantemente para São Vicente e Praia Grande.
No artigo “As mudanças sócio-espaciais na Ilha de São Vicente nos anos 1990 e a possibilidade de novas regionalizações por meio de análises intra-urbanas”, na página 4, Jakob afirma que “dentre os quase 40 mil migrantes não naturais que deixaram a RMBS [Região Metropolitana da Baixada Santista] com destino ao Estado de São Paulo no período 1995-2000, 58% eram de Santos e São Vicente, sendo 45% de Santos” [grifo meu].
Na página seguinte, Jakob prossegue: “com relação à migração intrametropolitana, a situação fica ainda mais clara, dos perto de 50 mil migrantes, 72% se originaram de Santos e São Vicente, sendo 50% de Santos. E dentre os que chegaram, 11% foram para Santos, 35% para São Vicente e 27% para Praia Grande. Apenas três fluxos respondiam pela metade de toda a migração intrametropolitana de não naturais do município de residência no destino no período 1995-2000: Santos => São Vicente (13 mil migrantes ou 27%), São Vicente => Praia Grande (5.800 ou 11,7%) e Santos => Praia Grande (5.600 ou 11,3%). Assim, Santos expulsava população para seu vizinho São Vicente e para Praia Grande e São Vicente recebia população de Santos e expulsava para Praia Grande no final dos anos 1990” [grifos meus].
O telescópio, ou seja, o artigo completo pode ser acessado em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/pdf/abep2004_264.pdf. Recomendo a leitura.

Comentários

  1. E eu fico a me perguntar...será que na pesquisa do Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioeconômicas, da Universidade Santa Cecília (Nese), citada no editorial, na mesma página, nesta mesma edição, sobre o desemprego em Santos, verificou o domicilio anterior da, então, referida 'mão-de-obra de fora'?

    Em sua análise, o editoral considera um índice espantoso que das 180.257 pessoas que atualmente têm trabalho regular em Santos, cerca de 40 mil, ou 22% delas, são de São Vicente. E, ainda, que o percentual da 'mão-de-obra de fora' é, ainda, maior porque os demais municípios da região também têm trabalhadores aqui em Santos.

    Quem sabe, não estariam aí incluidos, parte desta migração intrametropolitana, o que viria só reforçar a redução da população Santista apontada pelo IBOPE.

    É mesmo impressionante...como por aqui as idéias, e pior, de poucos, são utilizadas na preservação do 'status quo'!

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  2. Lu,
    Só se espanta quem não leu os resultados do Censo de 2000 com atenção, ou não se interessa em compreender esta dinâmica demográfica perversa.
    Como afirma Villaça, as idéias têm vida própria e se nutrem delas mesmas, sem qualquer base empírica e muito menos científica.

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