Prefeitura de Santos "perde" 3 áreas da União cedidas para habitação popular
Seguindo uma lógica humanista e considerando o artigo 6º da Constituição Federal, que estabelece o Direito à Moradia, é surpreendente a notícia da "perda" pelo Município, de três áreas da União, trazida por um vereador da base governista, que ecoou na sessão da Câmara Municipal de Santos, em 3/9.
Trata-se das áreas cedidas gratuitamente pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), com objetivo de construção de moradias populares, em 22/11/2011. São elas as áreas entre a Av. Conselheiro Nébias e Rua Constituição, entre esta rua e a Av. Washington Luís, e entre a Av. Senador Feijó e Rua Comendador Martins. As três áreas, que totalizam 8.993,70 m², integram um conjunto de oito áreas gravadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), conforme figura abaixo, que faziam parte do leito da antiga ferrovia da Companhia Docas de Santos, no bairro Vila Mathias, as quais foram repassadas à União, com a extinção da Portobrás, em 1990.
Das três áreas, duas localizam-se praticamente em frente ao local onde em breve será construída a estação "Universidades II" da segunda etapa do VLT (retangulo vermelho na foto abaixo), que conectará a estação "Conselheiro" com o Valongo, na área central de Santos (em amarelo na foto abaixo). Portanto, é uma grande oportunidade para a política habitacional do Município, possibilitar que população de baixa renda more de frente a um meio de transporte tão importante, em uma área com boa oferta de trabalho, reduzindo tempo e custos de deslocamento, posto que se pretende ampliar a integração tarifária do sistema. Mas, ao mesmo tempo, esta pode ser a verdadeira razão para o desinteresse da Prefeitura em construir as moradias no local.
Áreas da União de fronte à futura estação "Universidades II" do VLT
Histórico
Em 1993, em atendimento ao pleito de vários movimentos de moradia, o então prefeito David Capistrano (PT), solicitou ao governo federal a cessão das áreas da União, que na época estavam desocupadas e não cumpriam a função social da propriedade. No ano seguinte, um abaixo assinado com 5 mil assinaturas foi encaminhado ao então presidente Itamar Franco, reforçando o pedido.
Nos anos que se seguiram, irregularmente, a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) cedeu irregularmente algumas dessas áreas, frustando os movimentos de moradia. Note-se que algumas delas foram cedidas irregularmente com apoio do então prefeito Beto Mansur (PP), que inclusive chegou a aprovar projeto de edificação em uma delas.
Em 2001, no governo FHC, o Ministério de Planejamento Orçamento e Gestão publicou a Portaria nº 108, que autorizou a cessão de cinco dessas áreas ao Município (numeradas em vermelho na figura abaixo), totalizando 13.720,37 m². Porém, todas essas áreas vieram a ser ocupadas irregularmente nos anos seguintes, atrasando o processo de transferência definitiva ao Município.
As 5 áreas objeto da Portaria nº 108/2001.
A Comissão Especial de Vereadores da Habitação (CEV da Habitação), então presidida pela vereadora Cassandra Maroni Nunes (PT), atuou firmemente para reverter este quadro, denunciando os desvios à SPU e realizando várias audiências públicas sobre o assunto. Com a pressão, a União moveu ações judiciais e obteve a reintegração de posse de algumas dessas áreas.
Cassandra teve um papel fundamental no processo, pois, em 1998, já havia apresentado projeto de lei complementar, visando transformar em ZEIS 8 áreas da faixa da União, o que só veio a se tornar realidade com a sanção da Lei Complementar nº 427 de 18 de maio de 2001.
Entre 2010 e 2011, a SPU retomou a posse de duas das cinco áreas objeto da Portaria e tentava obter a retomada de mais outras duas.
Embora a Prefeitura já estivesse informalmente na posse de algumas dessas áreas desde a década anterior, somente em 2011, com a assinatura dos contratos de cessão gratuita, entre SPU e Prefeitura, foi formalizada a transferência das três áreas ao Município, com encargo de construção de moradias populares.
Nos anos que se seguiram, a Prefeitura desmembrou as três áreas da matrícula original e contratou projeto habitacional, com a previsão de construção de 450 unidades nos três terrenos.
Como o contrato de cessão estabelecia prazo de três anos para construção das moradias, e até aquele momento nada tivesse sido construído, em outubro de 2014, após alerta de Cassandra Maroni Nunes, na época secretária nacional do Patrimônio da União, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa solicitou a prorrogação do contrato por mais três anos.
O vencimento do novo prazo ocorreu em 2016 e, até o ano passado, as obras não haviam se inciado. Então, o aspecto das áreas era de abandono (foto abaixo). Na ocasião, Olhar Praiano obteve informação de que a COHAB Santista havia feito revisão do projeto, prevendo a ampliação do número de unidades e estava tentando obter recursos para construção dos empreendimentos habitacionais. Todavia, não se tem notícia de que nova prorrogação de prazo tenha sido solicitada à SPU.
O que se pôde apurar agora, é que Robson Tuma, gerente regional da SPU em São Paulo, até 2019, não quis renovar a cessão das áreas, o que trará enorme prejuízo para um município em que cerca de 10% da população vive em assentamentos precários ou em más condições de moradia (Censo Demográfico do IBGE 2010), inclusive na área central.
Mas a pista para o que ocorreu pode estar na posição de um antigo secretário municipal de planejamento, que certa vez declarou à imprensa que as áreas ficam em local "valorizado" e o melhor seria fazer uma "permuta" de áreas, que possibilitasse construir mais unidades em outra localização. Leia-se: lugar de famílias de baixa renda não é o centro.
Os movimentos de moradia já estão se organizando e deverão reivindicar a retomada dos projetos nas áreas, porém poderão encontrar sérias dificuldades pela frente, pois o atual governo municipal não prioriza a política habitacional para baixa renda em áreas centrais, como se percebe pela priorização dos investimentos que vem fazendo em obras rodoviárias e intervenções urbanísticas na orla. Outro grande obstáculo é a atual política federal de liquidação do Patrimônio da União, que ganhou peso no governo Temer.
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